quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Sobre os limites da ciência

Esse texto tem o objetivo de discutir brevemente os limites do conhecimento científico, e será dividido em duas partes claramente distintas: a primeira parte discutirá os problemas filosóficos da ciência, e fará uso de uma parte do mito da caverna, um maravilhoso texto do filósofo Platão. Na segunda parte, discutiremos alguns conceitos científicos que, em algum sentido, se mostraram verdadeiras barreiras ao progresso da ciência no século XX. Na verdade, não é a primeira vez que alguém aqui do Causarum Cognitio dedica um tempo para escrever algo sobre esse tema. Antes, o Rafael publicou “A Ciência e o monstro debaixo da cama” (você pode conferir o texto aqui), um ótimo artigo que gerou também ótimas discussões entre os membros do blog e nos comentários do próprio texto do Rafael. Meu objetivo é continuar essa discussão e ampliá-la para além do campo filosófico tanto quanto possível.



Dos problemas filosóficos : o mito da caverna de Platão



Quando refletimos sobre o papel da ciência na construção do conhecimento humano, dificilmente escapamos de questões fundamentais sobre a própria essência do conhecimento, seja ele científico ou não. Afinal de contas, o que sabemos sobre o mundo que nos cerca? Sobre a natureza, sobre os astros, sobre a vida, ou ainda, sobre nós mesmos? Somos capazes de conceber o mundo exterior da forma como ele de fato é, seja lá o que isso significar? O mundo no qual vivemos poderia ser apenas uma projeção daquilo que podemos sentir e, quando somos capazes, abstrair? A resposta para perguntas desse tipo são em geral especulativas e fogem ao escopo das ciências exatas, cabendo a filosofia e, na melhor das hipóteses, à filosofia da ciência, estudar. Ainda assim, é inevitável que questões desse gabarito nos façam concluir que o conhecimento, em particular o conhecimento científico, não apenas é limitado, mas também muitas vezes questionável e duvidoso.

Na verdade, muitos são os entraves que impedem a ciência de ser um método perfeito, de tal forma que mesmo no campo especulativo podemos formular questões aparentemente irrefutáveis que são verdadeiras pedras no sapato do conhecimento científico. Com efeito, olhemos mais de perto um desses entraves, a saber, aquele que trata dos nossos sentidos e tudo aquilo que atrelamos e eles. Resumindo em duas perguntas: o que é real? Quanto somos influenciados pelos nossos sentidos quando tentamos definir realidade?

Já que tais questões se aproximam mais da filosofia do que da ciência propriamente dita, vamos nos amparar a esta primeira, em particular, à filosofia platônica e ao mito da caverna. O Mito da caverna é o sétimo livro de A República, uma das maiores obras de Platão. Nele, o filósofo mostra um diálogo entre Sócrates e Glauco, irmão de Platão, em que eles consideram uma situação hipotética que representa adequadamente o problema que estamos considerando, sobre a realidade e a forma com a qual lidamos com ela. Platão questiona e exemplifica de forma simples e elegante nossa noção de realidade, como se vê nesse trecho:

Sócrates – (...) Imagina homens numa morada subterrânea, em forma de caverna, com uma entrada aberta à luz; esses homens estão aí desde a infância, de pernas e pescoços acorrentados, de modo que não podem mexer-se nem ver senão o que está diante deles, pois as correntes os impedem de voltar a cabeça; a luz chega-lhes de uma fogueira acesa numa colina que se ergue por detrás deles; entre o fogo e os prisioneiros passa uma estrada ascendente. Imagina que ao longo dessa estrada está construído um pequeno muro, semelhante às divisórias que os apresentadores de títeres armam diante de si e por cima das quais exibem as suas maravilhas.
Glauco – Estou vendo.
Sócrates – Imagina agora, ao longo desse pequeno muro, homens que transportam objetos de toda espécie, que os transpõem: estatuetas de homens e animais, de pedra, madeira e toda espécie de matéria; naturalmente, entre esses transportadores, uns falam e outros seguem em silêncio.
Glauco - Estranho quadro e estranhos prisioneiros são esses de que tu me fala.
Sócrates - Assemelham-se a nós. E, para começar, achas que, numa tal condição, eles tenham alguma vez visto, de si mesmos e de seus companheiros, mais do que as sombras projetadas pelo fogo na parede da caverna que lhes fica defronte?
Glauco - Como, se são obrigados a ficar de cabeça imóvel durante toda a vida?
Sócrates - E com as coisas que desfilam? Não se passa o mesmo?
Glauco - Sem dúvida.
Sócrates - Portanto, se pudessem se comunicar uns com os outros, não achas que tomariam por objetos reais as sombras que veriam?
Glauco
- É bem possível.
Sócrates - E se a parede do fundo da prisão provocasse eco sempre que um dos transportadores falasse, não julgariam ouvir a sombra que passasse diante deles?
Glauco - Sim, por Zeus!
Sócrates - Dessa forma, tais homens não atribuirão realidade senão às sombras dos objetos fabricados?
Glauco - Assim terá de ser.


A passagem acima de A República mostra que, mesmo no campo da filosofia, existem grandes problemas em admitir que a ciência está isenta de limitações, pois estamos presos a aquilo que julgamos ser a realidade. Construímos nossos modelos e teorias sob a perspectiva daquilo que se apresenta diante de nós, além de que, em algum sentido mais profundo, não somos mais do que uma parte desse mundo que pretendemos explicar, daquilo que julgamos ser a realidade. Por fim, somos parte da matéria e queremos explicar a matéria, e sob esse ponto de vista talvez seja correto concluir que estamos condenados a "enxergar" apenas aquilo que ocorre na matéria que podemos conceber através dos nossos sentidos, ou como comentei mais acima, através da nossa abstração, o que no fundo é quase a mesma coisa.

É sensato, contudo, esclarecer que não pretendo com essa divagação fazer qualquer tipo de apelo espiritual. Muito pelo contrário, pois argumento do ponto de vista materialista. Se não ficarem convencidos, pensem sobre o quanto conhecemos do nosso universo. Temos conhecimento de não mais que cinco por cento da matéria (matéria que conhecemos, ordinária, não escura), e é nessa pequena fração que residem todas as nossas teorias, científicas e não científicas; nesse ponto que apoio meus argumentos. Imagino por um instante, em paralelo ao mito da caverna, que se eu e todos os meus descendentes estivessemos confinadas no meu quarto, seria quase certo que com o passar do tempo faríamos teorias sobre a luz que provém da lâmpada, sobre a origem de tudo aquilo que veríamos na tela do meu computador, sobre os sons externos ao quarto, etc. Não estariam eu e meus descententes todos isentos da verdadeira realidade, e de certo não daríamos conotações extraordinárias e até divinas àquilo que podíamos "sentir" do exterior e mesmo do interior do quarto.? Não estamos nós, hoje, confinados a algum tipo de realidade restrita como no caso hipotético considerado acima, ou como retratado no mito da caverna?



Dos problemas teóricos: um panorama do século XX



Acima refletimos um pouco sobre as limitações filosóficas do conhecimento científico, e vimos que, mesmo se apegando a apenas uma questão, os problemas podem ser muitos. Não obstante, os "problemas" intrínsecos do próprio desenvolvimento científico não são menos catastróficos.

Com o nascimento da ciência moderna de Galileu Galilei e seu método cientifico, o desenvolvimento da ciência conduziu-nos a uma visão perfeccionista de mundo, uma idéia cunhada principalmente no final do século dezessete com a criação do Cálculo e literalemente adorada através do século dezoito, quando as equações diferenciais pareciam descrever o mundo e a ciência avançava no sentido de traduzir os segredos da natureza em todos os seus detalhes. As equações da mecânica de Newton não apenas eram uma das bases mais fortes de toda essa utopia científica, mas conferiam também uma ordem e uma beleza estética à natureza e ao universo antes vista talvez apenas na escola pitagórica. Tal era o cenário da época que Lagrange chegou a afirmar que se pudéssemos isolar as forças que governam cada partícula do universo, poderíamos prever o comportamento passado e futuro de todo o universo em qualquer instante. Não era bem assim, como os contemporâneos dessa geração de cientistas vieram a perceber mais tarde. A idéia de Lagrange, mesmo em uma escala infinitamente menor, se mostrou impraticável, sendo impossível se utilizar do cálculo e das equações diferenciais em vários problemas, e a dinâmica de sistemas com muitas particulas encontraria solução à luz da estatística. O futuro, contudo, guardava outras "restrições" ao sonho dos cientistas de descrever completamente a natureza e o universo.

Com efeito, uma das maiores quebras de paradigma da ciência moderna veio junto com o século vinte. Em 1900, durante o Congresso Internacional de Matemática de Paris, o jovem matemático David Hilbert apresentou uma lista com 23 grandes problemas abertos da matemática. Hilbert, que sonhava com a possibilidade de demonstrar que a matemática era um "sistema fechado", "consistente", listou o segundo problema de sua lista com o intuito de resolver uma parte dessa questão: demonstrar a consistência dos axiomas da aritmética, axiomas esses que são a estrutura de toda a matemática. A resposta, para a decepção de Hilbert, veio em 1931 com o austríaco Kurt Gödel em seu artigo "Sobre as Proposições Indecidíveis", onde Gödel mostrava que a matemática não poderia ser um sistema fechado; em resumo, existem proposições que não podem ser classificadas nem como falsas nem como verdadeiras.

Ora, se a matemática é a ciência que serve de base para as outras ciências; se a natureza parece obedecer fundamentalmente à leis matemáticas, e se essa matemática por vezes não é "confiável", no sentido dos teoremas de Gödel, como podemos esperar que nossas teorias estejam a margem de conclusões ambíguas? Eis uma daquelas pedras no sapato do conhecimento científico. Enquanto a matemática for a linguagem da ciência, estaremos sob a sombra dos teoremas da imcompletude de Gödel.

Mais tarde, a confusão viria da Mecânica Quântica com o princípio da incerteza de Heisenberg. Heisenberg demonstrou que a incerteza quanto a posição de uma partícula multiplicada pela incerteza quanto à velocidade dessa partícula nunca pode ser inferior a uma certa quantidade, a saber, a constante de Planck. Na prática, deixando de lado o formalismo científico, o princípio da incerteza de Heisenberg mostra que não é possível conhecer a posição e a "velocidade" de uma partícula ao mesmo tempo, de tal forma que se concentramos nossas forças para determinar a localização de uma partícula, comprometemos nossa informação sobre sua velocidade, e vice-e-versa. Dessa forma, Heisenberg deixou claro a impossibilidade de executar aquilo proposto por Lagrange, pois com o princípio da incerteza é impossível prever acontecimentos futuros com precisão, pois não é possível medir o estado (exato) de uma partícula no instante presente sem cometar erros.

Por fim, a última cartada da natureza contra os cientistas veio dos laboratórios do MIT em meados da década de 60, em Massachusetts, e se chama caos! A descoberta de sistemas caóticos, que em um sentido prático podem ser pensados como "sistemas que possuem grande sensibilidade com relação às condições iniciais", deve-se a Edward Lorenz (aqui no CC já falamos sobre Lorenz e a teoria do caos). Lorenz descobriu o caos nas suas equações de previsão do tempo e deu início a uma teoria que abalaria a pesquisa científica, no sentido que mesmo sistemas simples, como seria descoberto mais tarde, possuiam alta sensibilidade as condições iniciais, principalmente pela característica não linear da natureza. A previsão de fenômenos da natureza a longa escala ficaria completamente comprometida com a teoria do caos para aqueles sistemas como comportamento caótico, o que, juntamente com o princípio da incerteza de Heisenberg, deixaria os cientistas de mãos atadas em várias situações, senão na maioria delas.

Apesar de tudo, não posso negar que faço aqui, de certa forma, o papel de advogado do diabo. O método científico, ante todas suas limitações, demonstra-se o mais prático e confiável na busca da verdade científica, e a prova disso é que, mesmo com todas as barreiras impostas pela natureza, o século vinte se mostrou muito promissor para a ciência, e hoje gozamos de todo conforto, segurança e progresso proporcionado por ele. Na verdade, as barreiras teóricas e/ou práticas enfrentadas pela ciência são, antes de desanimadoras ou desencorajadoras, motivos para que os cientistas se concentrem cada vez mais em teorias alternativas e novos métodos para contornar eventuais dificuldades, como estas que discutimos mais acima. Eis o cerne da ciência, e o que confere tamanha beleza e confiabilidade a ela.

O fato é que a ciência possui alguns limites aparentemente intransponíveis, o que de certa forma pode implicar que a mesma nunca poderá desvendar todos os mistérios da natureza, pelo menos não da forma como gostaríamos. A cada passo dado, descobrimos que nossas técnicas e modelos, nossa matemática e nossas idéias são insuficientes para explicar alguns fenômenos específicos. Os entraves que discutimos acima talvez sejam os mais importantes, mas existem muitos outros, e as dificuldades em se manter o progresso científico que presenciamos desde os últimos séculos parece crescer na proporção direta a esse progresso, o que talvez possa acarretar num fim, num limite para o qual a ciência não possa mais avançar. Talvez seja esse o destino do conhecimento científico; ou talvez sejamos nós que não enxergamos o suficiente para pautar sobre o futuro da ciência. Teremos que esperar para conhecer a resposta, e ter a certeza de que a natureza, em sua aparente relutância por ser desvendada, ainda vai nos apresentar muitas dificuldades. Felizmente, nossos cientistas estão prontos para elas.




Referências e leituras indicadas


- Stewart, I. Será que Deus Joga Dados? - A Nova Matemática do Caos, Editora Jorge Lahar, 1991.
- Platão, A República
- http://causarum-cognitio.blogspot.com/2009/08/ciencia-e-monstro-debaixo-da-cama.html
- http://causarum-cognitio.blogspot.com/2009/07/muito-prazer-me-chamo-edward-lorenz.html
- http://scienceblogs.com.br/dimensional/2007/11/ic016.php
- Monteiro, L. H. A. Sistemas Dinâmicos, Livraria da Física, São Paulo, 2006.
- http://www.dsc.ufcg.edu.br/~gmcc/mq/incerteza.html
- http://pt.wikipedia.org/wiki/Problemas_de_Hilbert
- http://www.portaldoastronomo.org/tema.php?id=25


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sexta-feira, 27 de novembro de 2009

A difícil condição humana, por Marcelo Gleiser

Com o advento das pseudociências e do esoterismo científico, a ciência é cada vez mais deturpada por idéias charlatanistas e recebe conotações que extrapolam completamente o método científico, não raro também o bom senso. Felizmente aqueles divulgadores da verdadeira ciência não faltam, como é o caso do físico brasileiro Marcelo Gleiser. Abaixo reproduzo o seu texto Por que o esoterismo pseudocientífico faz tanto sucesso?, desde que ele representa perfeitamente bem a opinião do pessoal aqui do Causarum Cognitio, bem como possivelmente de toda a comunidade científica séria. O texto saiu na Folha de São Paulo e no Jornal da Ciência da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência). Como vi o texto reproduzido no blog Coletivo Ácido Cético (de onde me veio a idéia de inserí-lo aqui também), gostaria de  aproveitar o ensejo e indicar este excelente blog, que não fica atrás do que há de melhor em divulgação da ciência na blogosfera científica brasileira.





A difícil condição humana




Por que o esoterismo pesudocientífico faz tanto sucesso?




Marcelo Gleiser é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA) e autor do livro "A Harmonia do Mundo". Artigo publicado na "Folha de SP":

Queremos saber mais do que podemos ver". Assim escreveu o filósofo francês Bernard Le Bovier de Fontenelle, em 1686. Seu livro tratava da possível existência de seres extraterrestres, à luz do conhecimento científico da época. Naquele mesmo ano, Isaac Newton, na Inglaterra, publicou o livro em que apresentou as leis de movimento e da gravitação.

A realidade física passou a ser explicável a partir de equações determinísticas. Duas massas se atraem com uma força que age à distância.

Newton não arriscou uma explicação para o misterioso fenômeno gravitacional: como massas se atraem sem se tocar? Forças invisíveis permeavam o espaço, a realidade estendendo-se além do que podemos ver. A ciência explicava e criava mistérios.

Numa recente visita ao Brasil, inúmeras pessoas me perguntaram o que achava do filme "Quem Somos Nós?" ou dos livros de Amit Goswami e o absurdo "O Segredo". Todos oferecem uma visão alternativa ao materialismo comumente associado à ciência. Tudo é consciência, diria Goswami, e matéria e mente são manifestações dessa consciência.

Se você pensar positivamente sobre sua vida, as coisas mudarão, mesmo que você não faça nada, aprendemos em "O Segredo". Gostaria que todos os moradores da Rocinha imaginassem um cheque de um milhão de reais chegando para cada um na semana que vem.

A realidade é produto de nossas mentes e pode ser alterada, vemos em "Quem Somos Nós". No filme, aprendemos mecânica quântica com o espírito de Ramtha, um guerreiro de Atlântida que viveu há 35 mil anos. Talvez as pessoas devessem ser informadas que a maioria da equipe responsável pelo filme é devota de Ramtha. O filme é propaganda para essa seita esotérica.

Os "especialistas" entrevistados são irrelevantes academicamente. Li na contracapa do livro de Goswami que ele é "um dos físicos mais importantes da atualidade". Absolutamente falso. A credibilidade da ciência é manipulada para convencer as pessoas da importância das novas revelações e dos novos "profetas".

Por que esse esoterismo pseudocientífico faz tanto sucesso? O que as pessoas procuram nesses livros e filmes? Se seguirmos a história da ciência e sua relação com a religião, vemos que, após Newton, ficava difícil justificar a presença de um Deus onipresente em um mundo controlado por leis, equações e seleção natural.

Por outro lado, a ciência nada oferecia para alimentar a necessidade espiritual das pessoas. Como conciliar o materialismo científico com o ódio, o amor, a morte?

No início do século 20, a ciência mudou. A teoria da relatividade e a mecânica quântica redefiniram a realidade física, os conceitos de espaço, tempo e matéria. Apesar de essas teorias serem perfeitamente claras dentro de seu contexto, sua natureza filosófica, em particular, o papel do observador na prática científica, abre espaço também para especulações filosóficas, algumas iniciadas até por pioneiros da física quântica, como Heisenberg e Bohr.

A apropriação dessas teorias pelo esoterismo é inevitável. É fácil deturpá-las para afirmar que a nova ciência põe a consciência humana no centro do cosmo; que o indivíduo tem uma força que vai além de seu corpo; que nossas mentes são conectadas com o cosmo e suas forças ocultas; que somos muito mais do que aparentamos ser. Quem não quer ser mais do que é?

O sucesso do esoterismo pseudocientífico é reflexo da difícil condição humana, da dificuldade de sempre aceitar que somos seres limitados, com vidas finitas, num Universo que nada liga para nossa existência. E que temos de assumir a responsabilidade pelas nossas escolhas.
(Folha de SP, 11/11)




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quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Astronomia: Qual o raio da Terra ?

Suponha que você esteja curioso em saber qual o raio da Terra. Como você faria?
Fácil, é só digitar no google "raio da terra" e ele nos dá a resposta imediatamente.


OK, agora suponha que estamos em torno de 250 A.C.. Qual o raio da Terra ?

Esta foi uma questão que passou a perturbar os gregos tão logo eles concluiram que a Terra era esférica, em torno de 500 A.C.. E a resposta foi dada, em um dos mais brilhantes experimentos já realizados, pelo historiador, geógrafo, matemático, astrônomo, filósofo, poeta e crítico de arte, Eratóstenes.

Ah, Eratóstenes também foi diretor da famosa biblioteca de Alexandria. E foi num dos rolos de papiro da biblioteca que ele encontrou a informação de que na cidade de Syene, ao meio-dia do solstício de verão (21 de junho no hemisfério Norte), o Sol se situava a 90º, pois iluminava as águas profundas de um poço, sem ocasionar nenhuma sombra. Porém, o geômetra observou que, no mesmo horário e dia, as colunas verticais da cidade de Alexandria projetavam uma sombra.

Pelos mapas da época Eratóstenes observou que Alexandria e Syene ficavam aproximadamente no mesmo meridiano e apenas com estas informações ele foi capaz de propor um experimento para determinar o raio da Terra.

Pelas regras de geometria sabemos que a relação entre o arco de circunferência (distância entre A e S, vamos chamar de D) e o raio (R) é D = R.α, onde α é o ângulo.

Então, no dia 21 de junho do ano seguinte, Eratóstenes determinou que se instalasse uma grande estaca em Alexandria. Ao meio-dia, enquanto o Sol iluminava as profundezas do poço em Syene, ele mediu que o ângulo da sombra era aproximadamente 1/50 dos 360º de uma circunferência.

Com a medida do ângulo α, restava saber a distância entre Alexandria e Syene. Para medir esta distância, Eratóstenes organizou uma comitiva com os camelos e escravos que seguiram em linha reta, percorrendo desertos, aclives, declives e tendo até que atravessar o rio Nilo. A distância mensurada foi de D = 5.000 estádios e o valor obtido para o raio da Terra foi de aproximadamente 6.633 Km.

Levando em conta os inúmeros erros nas aproximações que fez Eratóstenes, é impressionante a precisão de seu cálculo.

Fica para um próximo post discutir sobre a medida de distâncias entre a Terra e astros como a Lua, Sol e estrelas. 

Obs: Atribui-se a relação 1 estadio = 166.7 m.

Referências
http://pt.wikipedia.org/wiki/Erat%C3%B3stenes
http://www.ime.usp.br/~leo/imatica/historia/medida_raio_terra.html
http://www.mat.ufrgs.br/~portosil/erath.html

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segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Um dia realmente especial




 Hoje é um dia especial! Dia das crianças, dia de Nossa Senhora Aparecida (com “n”, “s” e “a” maiúsculos) e dia de chover. Isso mesmo! Dia doze de outubro é dia de chuva. E bem por esse motivo hoje eu torci para isso não acontecer. Juro! Apesar do tempo indicar o contrário, eu teria rezado (se acreditasse que isso funciona) para que a chuva não viesse. E não foi porque na última vez que São Pedro deu o ar da graça a cidade de São José do Rio Preto quase parou debaixo d’água ou porque não gosto de chuva (eu adoro chuva). A questão é outra!

O fato é que aqui na região de São José de Rio Preto pelo menos, parece haver a seguinte crença: dia 12 de outubro chove! Não importa o ano, sempre chove. E o motivo? A resposta é óbvia: dia doze de outubro é dia da “padroeira do Brasil”, dia da Aparecida. E embora ela não seja a “Nossa Senhora da Chuva Certeira do Dia Doze de Outubro”, a água veio mesmo, com fé e vontade, literalmente; e eu fiquei aqui pensando: o que alimenta uma crença tão pouco provável quanto essa em pleno século XXI, quando temos acesso praticamente instantâneo a quase todo tipo de informação? É claro que exemplos de crenças estranhas desse tipo não faltam, mas essa merece uma breve análise e, como de costume, uma pequena longa discussão. Vejamos duas situações:

  • Primeira: dia doze de outubro chove e pronto. Na Argentina, em Honduras, na Holanda, na Austrália, enfim, em cada canto de cada país que acompanha o calendário gregoriano.
  • Segunda: dia doze de outubro chove, mas é só em alguns lugares.

Ora, a primeira situação significaria reeditar a bíblia para incluir o segundo dilúvio (e o primeiro que de fato se teria registro, diga-se de passagem), e parece não ter chovido assim desde que a humanidade se entende por gente. A segunda é, além de contraditória, infantil: todos os dias chove em algum lugar, em especial no dia doze de outubro; ou seja, é como já sabiamos (sabíamos?): dia doze de outubro é um dia tão propício à chuva quanto os outros dias do ano, obedecendo as tendências das estações do ano, claro. Ou seja, tal crença é facilmente refutada com trinta segundos de reflexão, e mesmo assim ela perdura, ano após ano. E sobre a segunda situação, eu ainda me pergunto: por que chover aqui e não ali? Deus é geograficamente parcial? Se é, não deveria ser! E mais: porque chuva, e não arco íris, terremoto, vendaval, tempo limpo, brisa? E porque não no dia de outro Santo? A padroeira veio do rio e portanto gosta de água? Acho pouco provável.

Ironia a parte, me falta responder uma última questão: porque escrever um artigo desses? Porque não deixar os religiosos em paz com crenças desse tipo, que nada de mal faz a ninguém. Bem, pelo tom da minha escrita, qualquer um pode deduzir que não sou um sujeito religioso, mas isso de fato é irrelevante aqui. A ciência, da qual sou “partidário”, também tem suas crenças ruins, embora não em deuses. A questão é que se num país onde 90% das pessoas se diz católica, 10% dessas acreditar em crenças tão irracionais e infundadas como essa, o que podemos esperar dessas pessoas na próxima eleição presidencial, por exemplo? O que podemos cobrar dos nossos alunos do ensino fundamental se acreditamos que dois e dois são cinco por pura preguiça de esticar nossos dedos e contar? A corrupção da racionalidade que ocorre por aqui não é apenas vergonhosa, mas preocupante, e todos pagamos o preço. Se acreditamos piamente que dia doze de outubro indiscutivelmente chove, sempre, não acreditaremos também que homeopatia cura doenças, que camisinha de fato prejudica no combate contra a aids e que os processos do senado tem sido arquivados porque todos os políticos são bonzinhos e honestos? Pode alguém dizer estou exagerando, e talvez eu esteja mesmo, mas de propósito, pois não é de hoje que nossa falta de interesse em tudo, nossa falta de crítica e nossa passividade tem sido explorada de forma negativa e contra nós. Não quero dizer aqui que devemos deixar de acreditar em algo, ou que a religião é ruim, mas digo que é possível ter suas crenças sem ter os olhos tapados dessa forma, e que devemos ser mais críticos. Por isso eu queria que hoje não chovesse por aqui. Queria que as pessoas olhassem, pensassem e concluíssem nada mais que "isso de chover dia doze de outubro não tem nada a ver". Devemos pensar, reconsiderar, refletir o mínimo para não sermos enganados por qualquer falácia, seja ela de que natureza for. Afinal de contas, dessa forma, se nos tornarmos escravos da nossa própria ignorância, quem poderemos culpar pelo fato das coisas não serem como esperamos? Apenas a nós mesmos!


P.S.: Alguém de algum lugar que não tenha chovido hoje?

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sábado, 3 de outubro de 2009

Em nome da divulgação científica

Boas novas! Em meio ao escasso material científico disponível a sociedade brasileira,  eis que surge mais uma excelente iniciativa por parte da comunidade científica em nome da divulgação científica.




A Universidade Estadual Paulista (UNESP) lançou em agosto a revista UNESP Ciência, em comemoração aos 400 anos da teoria heliocentrista de Galileu e também aos 150 da publicação de "A Origem das Espécies" de Darwin. Para quem ainda não conhece, vale mesmo a pena conferir. A revista é linda, está ótima, e já tem duas edições publicadas. Matérias muito boas, textos acessíveis e belas figuras tornam a leitura muito agradável e descontraída. 

Contudo, a matéria de capa da primeira edição é que eu gostaria de centralizar: "Ciência 400 Anos", de Giovana Girardi e com colaboração de Pablo Nogueira. O artigo faz um review da ciência moderna de forma muito elegante e muito clara, discorrendo sobre a história e a filosofia da ciência nesses últimos quatro séculos, analisando o papel do homem nesse cenário e questionando o papel da religião diante desse contexto. Sem dúvida um ótimo artigo, que eu acho que vale a pena a leitura. Se o texto não fosse demasiado grande, aliás, iria improvisá-lo aqui na nossa página, mas acho melhor deixar apenas o link:


Sem dúvidas, UNESP Ciência tem tudo para se tornar uma referência nacional no cenário da divulgação científica brasileira. Fruto de uma universidade como a UNESP, que é hoje uma das melhores e maiores universidade brasileiras, não podemos esperar senão um trabalho sério, comprometido com a ciência e com sua divulgação para a comunidade. Boa leitura a todos!



P.S.: A Revista ainda não tem uma versão eletrônica, de tal forma que os artigos devem ser baixados separadamente, em formato pdf.

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quinta-feira, 1 de outubro de 2009

"Salve Geral" - Indicação brasileira ao Oscar

Ontem (30/09) tive a oportunidade de assistir no CINUSP a pré-estréia do filme "Salve Geral - o dia em que São Paulo parou" do diretor Sérgio Rezende, que terá sua estréia nos cinemas amanhã (02/10).
"Salve Geral" é mais um filme sobre a criminalidade nacional, que segue a receita de pérolas do nosso cinema como "Tropa de Elite" e "Carandiru".
O filme trata dos ataques orquestrados pela facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital) no fim de semana do dia das mães de 2006, que chocaram o país inteiro. Certamente este é um fato digno de um filme, para que não seja esquecido tão cedo pela sociedade.
O filme traz críticas interessantes sobre os longos anos do governo tucano em São Paulo porém deixa a desejar quanto ao roteiro, fotografia e atuação dos atores. A fotografia faz lembrar cenas de novela, assim como as péssimas cenas de tiroteios e perseguições de carros. Recheado de piadas clichês sobre a sociedade brasileira, talvez satisfaça um público acostumado com novelas ou que premia filmes como "Quem quer ser um milionário ?".

Terminei a sessão indignado, como grande parte do público presente, por saber que este é o filme indicado pelo Ministério da Cultura para concorrer ao Oscar de melhor filme estrangeiro.

E fica a questão: Como o Ministério da Cultura indica um filme, para representar o cinema nacional, antes mesmo de sua estréia, sem a opinião do público ?

Felizmente nem só de criminalidade vive o cinema nacional.

Obviamente, o cinema nacional não é somente feito de filmes como "Salve Geral" e "Tropa de Elite". Uma feliz supresa foi a estréia do já consagrado ator Mateus Nachtergaele como diretor e roteirista no longa "A festa da menina morta (2008)", que estava nos cinemas no começo deste ano.

O filme trata de uma cidade que recebe, todo ano, peregrinos que desejam obter a benção de um jovem santo andrógino. Diz a lenda que o menino, órfão de mãe, realizou um milagre ao encontrar um vestido ensangüentado de uma menina desaparecida que todos os anos fala pela boca do garoto em transe.

Segundo Nachtergaele, "Retrato de uma parte do Brasil, a mistura de religiões, a pobreza diante da modernidade, as pessoas que vivem longe da cidade, é uma fábula ancorada na realidade. O santinho é o centro da atenção e ao mesmo tempo é explorado pela comunidade, é líder de algo que não controla e começa a interpretar muito bem seu papel".

Um filme legitimamente brasileiro, que valoriza a crueza, o sangue e a carne, a humanidade não-maquiada e natural.

Referências:
- http://cinema.terra.com.br/cannes/2008/interna/0,,OI2901147-EI11459,00.html
- http://www.cineplayers.com/critica.php?id=1436
- Discussões com Carol Menezes

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domingo, 23 de agosto de 2009

Hipácia de Alexandria e a história de uma tragédia

"Ensinar superstições como uma verdade absoluta
é uma das coisas mais terríveis." - Hipácia


Aqueles que estão acompanhando o que escrevo aqui no blog possivelmente dirão que estou pegando gosto por falar quase que exclusivamente sobre grandes nomes (Caetano Veloso, Edward Lorenz e agora Hipácia). Bem, a intenção não era exatamente essa, e eu até escreveria outro artigo para deixar minhas postagens mais heterogêneas, mas não vou fazê-lo, pois esse se trata de um caso especial; se trata de um artigo que quero escrever desde que criei o blog junto com o Rafael e o Marcelo, sobre uma história que me impressionou muito e que todos deveriam conhecer.

Dessa vez, nossa história começa no Egito, mais exatamente na cidade de Alexandria. A cidade foi fundada em 331 a.C, e tem esse nome devido a seu fundador, Alexandre, o Grande, um dos maiores conquistadores do mundo antigo, além de filósofo e distinto discípulo de Aristóteles. Parece haver um consenso de que Alexandria foi uma das cidades mais importantes do mundo antigo, principalmente por sustentar a maior e mais importante biblioteca que já existiu: a famosa biblioteca de Alexandria, que além de tudo foi a primeira universidade do mundo, onde estudaram, dentre outros, grandes nomes como Euclides e Arquimedes! Além disso, o fato de Alexandria estar centrada entre dois importantes mares, – o Mediterrâneo e o Vermelho – e ter sido muito privilegiada pela navegação, desde que está localizada no ponto exato de ligação entre a Europa, a África e a Ásia, fez com a mesma se tornasse o maior pólo intelectual da época, superando inclusive Atenas, que nesse tempo já havia declinado. Filósofos, cientistas, poetas e pensadores que são conhecidos até hoje viveram em Alexandria, sendo esta considerada, digamos, a capital do helenísmo, cujo início dá-se em 323 a.C. com a morte de Alexandre, o Grande. Nesse período, a cidade é tomada pelas idéias neoplatônicas, corrente filosófica que surge com Plotino e que terá como umas das principais representantes Hipácia.



Falar sobre Hipácia (?370 d.C. - 415 d.C.) é complicado por dois motivos. Primeiro, porque sempre é complicado falar sobre o que quer que seja que tenha acontecido há muito tempo atrás, um problema que existe desde que os homens decidiram escrever sua história. Segundo, porque a maioria das informações disponíveis são essencialmente a mesma em meios de comunicação populares, como a internet, por exemplo, o que tem me dado alguma dor de cabeça na procura por novos fatos acerca da sua vida. De qualquer forma, no final do artigo faço algumas indicações de leitura, onde os mais interessados podem ler com mais calma e detalhes sobre sua vida. Por enquanto, esboço apenas um resumo (uma ótima descrição sobre a vida de Hipácia pode ser encontrada em [I] e em [II]), e tiro algumas linhas para uma breve discussão.

Hipácia, pode-se dizer, era um ser humano completo, e talvez a maior filósofa de toda a história. Possuía beleza, sabedoria extrema nos assuntos que interessava aos pensadores da época, além de excelente oratória. Filha de Theon, diretor da biblioteca de Alexandria, se interessou por praticamente todos os assuntos, em especial por filosofia, matemática, astronomia e medicina. Admirada por seu talento e beleza, recusou todas as propostas amorosas de sua vida, dizendo já ser casada com a verdade. Juntamente com seu pai, que também era um gênio, além de seu principal tutor, reuniu toda a informação da época para editar o que seria o segundo livro mais lido do mundo após a bíblia, no formato que conhecemos hoje, e que basicamente dá os alicerces da matemática atual: Os Elementos, de Euclides. Também escreveu alguns tratados sobre grandes personalidades que apenas conhecemos hoje devido a ela, como Apolônio, conhecido como o "grande geômetra", brilhante matemático e astrônomo da época. Hipácia também parece ter sido a principal intérprete de Aristóteles, um dos maiores filósofos de todos os tempos (senão o maior), além de outros grandes filósofos de sua época, de tal forma a atrair pessoas de todo o império romano para ouvir suas explanações. Muito do que sabemos sobre ela, inclusive, é devido a cartas e relatos de seus discípulos e admiradores preservados através do tempo, como este que segue abaixo, de seu aluno e discípulo Hesíquio, o hebreu:



Vestida com o manto dos filósofos, abrindo caminho no meio da cidade, explicava publicamente os escritos de Platão e de Aristóteles, ou de qualquer outro filósofo a todos os que quisessem ouvi-la... Os magistrados costumavam consultá-la em primeiro lugar para administração dos assuntos da cidade.


Ainda na semana passada estive conversando com um dos professores do departamento de matemática aqui do Ibilce, especialista em história da matemática, e o mesmo me disse que Hipácia é considerada a primeira e maior matemática do qual se tem registro, o que confere com o que dizem historiadores como Edward Gibbon, que diz que Hipácia superou todos os filósofos de sua época. Outro a dizer algo sobre ela foi o escritor italiano Enrico Riboni, que nos conta que Hipácia "representava uma ameaça para a difusão do cristianismo, pela sua defesa da Ciência e do Neoplatonismo". Dessa forma, Hipácia começou a ser perseguida pela igreja, pois além de ser totalmente contrária as idéias cristãs, incomodava o fato de ser uma bela mulher, de acordo ainda com Riboni.

Infelizmente, o que mais causa espanto na história de Hipácia é sua morte! Na matemática, marca o fim do que chamamos hoje de matemática antiga. Na filosofia e na ciência, o fim de uma era de glória que só seria atingida novamente na primeira revolução industrial. Isso porque Hipácia era pagã e defendia a idéia de que o mundo é governado por leis matemáticas, além de que era mulher! Vivendo num país tomado pelo império romano, que havia sido convertido ao cristianismo anos antes (350 d.C.) pelo imperador Constantino, o qual reestabeleu as bases dessa religião no famoso Concílio de Nicéia (325 d.C.), um dia Hipácia foi atacada por um grupo de monges cristãos sob ordem do bispo e depois patriarca de Alexandria, Cirilo. Foi então arrastada nua pela rua até uma igreja, onde foi esfolada, teve suas roupas e seus cabelos arrancados e o corpo dilacerado por conhas de ostra afiadas (outros dizem que foi por cacos de cerâmica). Seus membros foram arrancados do corpo e posteriormente queimados na fogueira, fato que marcaria, em algum sentido, o início da Inquisição e da Caça às bruxas, promovidos futuramente pela igreja católica. Em 1882, absurdamente, Cirilo é canonizado e promovido a doutor da igreja por perseguir a comunidade científica e os judeus de Alexandria, e hoje é São Cirilo (gravura ao lado), de acordo com o papa, guardião da verdadeira fé (Veja aqui o papa recordando com amor o nosso querido santo).

Um ano após a morte de Hipácia, que havia se tornado diretora da biblioteca, é cometido o que pode se considerar um dos maiores crimes contra a humanidade: a biblioteca de Alexandria é destruída, fato que se dá devido a crescente influência cristã no império romano e várias investidas por parte de religiosos contra templos pagãos! Embora existam divergências, há relatos que dizem que na biblioteca haviam entre 600 mil e 1 milhão de pergaminhos, que continham toda a história, a ciência, a arte, a filosofia e a medicina da época, desde que todos os navios que passavam por Alexandria eram confiscados e todo o conhecimento a bordo era copiado e enviado para a biblioteca. Sob esse cenário, a comunidade intelectual de Alexandria se desfaz, e filósofos e cientistas migram para a Índia e para a Pérsia. Mais tarde, as escolas de filosofia serão fechadas por Justiniano, o Grande, imperador de roma conhecido por perseguir judeus, pagãos e heréticos. Dentre outras, serão fechadas escolas como a famosa Academia de Platão, provavelmente a maior escola de ciências e filosofia do mundo, e a Escola Filosófica de Atenas, a última das escolas de filosofia do império. Sua postura conduziria não apenas a humanidade ao que chamamos hoje idade média, mas também a Inquisição Católica, iniciada mais tarde, no ano de 1183.

Felizmente, face a toda ignorância e intolerância religiosa, que conduziria a humanidade à idade das trevas e do obscurantismo por mil anos de nossa história; face a todas as crueldades praticadas por cruzadas, inquisições e outros avantes fanáticos deploráveis, que por vários séculos reprimiram de forma covarde o pensamento livre, a liberdade de expressão e o bom senso, Hipácia está eternizada, não resta dúvidas! Seja na carta apaixonada de seu discípulo Sinesius de Cirene, seja na fantástica homenagem prestada por Carl Sagan em um dos maiores trabalhos científicos da humanidade, "Cosmos", seja em Causarum Cognitio, o quadro de Rafael Sanzio que dá nome ao nosso blog, Hipácia será sempre lembrada como o símbolo daqueles comprometidos com a verdade e que são perseguidos por conta dela. É também, ou pelo menos deveria ser, um exemplo para as mulheres comtemporâneas, que até hoje são desvalorizadas, desrespeitadas e por vezes afrontadas, pela sociedade e mesmo pela igreja, como nesse ano, no dia internacional da mulher, quando o vaticano declarou em seu jornal que a máquina de lavar fez mais pela mulher do que a pílula anticoncepcional (A Máquina de lavar e a libertação das mulheres - ponha detergente, feche a tampa e relaxe. L'Osservatore Romano. Veja aqui).

Não gostaria que esse artigo fosse fonte de revolta, mesmo que tal sentimento seja o mais expressivo nessa ocasião. Gostaria, antes de tudo, que servisse como fonte de reflexão sobre nossos valores, principalmente sobre nossos valores humanos e religiosos, que não raro são motivos para divisão, preconceito e intolerância. Pensemos!


Fontes, leituras indicadas e outros:

[I] - http://br.geocities.com/kaderno2004/materias/hipacia/hipacia.htm
[II] - http://praxisfilosofica.blogspot.com/2008/07/hipcia-de-alexandria-c.html
[II] - Bloody History of Christianity, Enrico Riboni (História Sangrenta do Cristianismo, traduzido por Cassy Beski)
[IV] - História da Matemática, Boyer, C.B. (Tradução Elza F. Gomide), Editora Edgard Blücher Ltda,1974
[V] -http://gostei.abril.com.br/frame/index/hipacia-de-alexandria-a-primeira-cientista-da-historia
[VI] - http://www.formadoresdeopiniao.com/?p=2898
[VII] - O Declínio e a queda do Império Romano, Edward Gibbon
[VIII] - Série Cosmos, Carl Sagan
[IX] - Introdução à História da Matemática, Eves, H. (Tradução Hygino Domingues), Editora da Unicamp, 1995.
[X] - Hypatia, or new foes an old face, Charles Kingsley, New York: E. P. Dutton, 1907.
[XI] - Hypatia of Alexandria, Maria Dzielsk, trad. F. Lyra, Cambridge, M. A.: Harvard Press, 1995
[XII] - http://pt.wikipedia.org/wiki/Justiniano_I


P.S.: Confiram o Filme Ágora, do espanhol Alejandro Amenábar, que estréia agora, em 2009, e contará a história de Hipácia de Alexandria!

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sexta-feira, 24 de julho de 2009

Cinema - Stanley Kubrick

Com uma bagagem de 13 filmes e 3 curtas metragens, o diretor Stanley Kubrick levou com excelência a sua missão de, através das telas de cinema, provocar o público com diferentes sensações usando imagens e sons. Kubrick demonstrou destreza ao transformar o que antes era um simples roteiro em uma verdadeira obra de arte.

Seja por sua incursão na fotografia desde novo, ou apenas uma aptidão nata, seus filmes tem aquilo que se pode chamar de particularidade. Um filme do Kubrick é um filme cuja fotografia não nega seu diretor e, levando em conta que geralmente há um diretor de fotografia envolvido, temos uma particularidade também se tratando da personalidade de Kubrick, conhecido por fazer as coisas à sua maneira. Talvez essas tão importantes particularidades tenham o tornado um diretor amado, até odiado, mas acima de tudo elogiado.

Fascinado por explorar o psicológico humano, o fez com um brilhantismo impressionante. Muitos de seus filmes retratam um personagem que sofre um processo de desintegração psicológica que muitas vezes o leva à loucura.


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quinta-feira, 9 de julho de 2009

Muito prazer, me chamo Edward Lorenz!

Não, antes que alguém se pergunte, Edward Lorenz não sou eu, e para poupá-los do trabalho de deslizar até o final do texto para verificar quem está postando mais esse artigo com nome esquisito, eu me apresento: sou o Rodrigo Euzébio, um dos três causarumcognitianos doidões que se acha esperto o bastante para escrever num blog (com nome um pouco esquisito também, eu concordo) sobre tudo que lhe vem à cuca! E se você achar que não sou doido o bastante e quiser conferir meu perfil, verá lá que está escrito alguma coisa como "(...) atuando pela área de Sistemas Dinâmicos". Isso mesmo! Nas horas de folga, sou estudante de umas das sub-áreas da matemática que tem esse nome aí, e que embora muitos possam pensar o contrário, por se tratar de matemática, é legal à beça (assim que der sai no Causarum, por minha conta e risco, uma defesa em nome da matemática!). Enfim, continuemos!

Sistemas Dinâmicos nasceu com Galileu Galilei e uma história que quase lhe rendeu uma fogueira, quando o cientista achou que era bastante insensato que a Terra ficasse bem ali, paradinha, no meio do universo, e que todos os outros astros girassem religiosamente em torno dela¹ (contrariando o que a igreja católica, fornecedora de fogueiras em massa na época, havia dito até aquele momento). E ele estava certo, como (todos) sabemos hoje! Nascia aí o heliocentrismo e uma preocupação: então se a Terra gira desenfreada por aí junto com os outros planetas, o que garante que mais cedo ou mais tarde ela não vai "desembestar" para os lados de algum outro planeta e colodir com ele? A busca pela resposta a essa pergunta foi o estopim da teoria de Sistemas Dinâmicos! E a coisa não parou por aí não! Passou por Lagrange, Laplace, os irmãos Bernoulli, Euler (como todo o resto da matemática, diga-se de passagem), Newton, Kepler, Poincaré, indiscutivelmente o maior nome da área, Birkhoff, (...), Lyapunov, Peixoto (opa, esse é brasileiro), Smale, Lorenz. Ah, claro, já estava quase me esquecendo dele: Edward Lorenz! Mas o que o senhor Lorenz tem de tão especial, que o artigo faz alusão a ele, e não a Galileu, ou a Newton, ou a Poincaré, por exemplo, nomes esses tão mais conhecidos? É que Lorenz tem uma história muito interessante a ser contada (não que os outros não tenham, mas uma coisa de cada vez), e que embora a maioria não conheça, quase todos já ouviram falar sobre o seu desfecho. Sejam bem vindos, meus amigos, à Teoria do Caos!


Mas eu já sei o que é a teoria do caos


Bem, se você acha que sabe alguma coisa sobre a teria dos caos, então existe realmente alguma chance de que você saiba mesmo, diferente do que disse Feynman² a respeito da não menos badalada Mecânica Quântica (o artigo sobre mecânica quântica tá pronto Rafa?), com a qual fiquei morrendo de vontade de "parafrasear" agora. Bem, veremos se você sabe mesmo, e façamos isso começando pela história de Lorenz.


Edward Lorenz foi um matemático que, tendo servido na segunda guerra mundial como meteorologista, tomou gosto pela coisa e tornou-se professor de ciências atmosféricas do MIT em 1962. Como se espera de um bom meteorologista, Lorenz também estava preocupado com a questão da previsão do tempo, questão que até então intrigava não só a população em geral, que com sorte conseguia programar um sábado ensolarado na praia, mas também os pesquisadores da área. O problema é que era extremamente difícil (e ainda é hoje, embora em menor escala) fazer tal previsão com segurança, apesar do fato de conhecermos perfeitamente bem, em qualquer instante, as condições que determinam o clima, tais como temperatura, umidade, pressão, etc, o que deveria ser suficiente, pelo menos em teoria, para que os cientistas pudessem prever o clima com muita antecedência. Não era!


Naquela época, prever o clima se resumia a fazer alguns cálculos simples envolvendo a temperatura do local num determinado horário, a velocidade do vento num outro horário numa cidade vizinha e outras coisas do tipo. Lorenz, contudo, descontente com esse método, decidiu testá-lo, a fim de verificar se o mesmo era confiável. Usando para isso uma teoria matemática chamada teoria das equações diferenciais, Lorenz programou seu computador para, todo dia, coletar dados referentes às suas simulações, e fazia isso imprimindo em sua limitada impressora os três primeiros algarismos (os chamados algarismos significativos) de cada uma das variáveis que usava. Como era de se esperar, Lorenz verificou que o método usado até então de fato não era confiável, tanto que resolveu refazer os cálculos para ter certeza da sua descoberta.


Como na época não havia nenhum desktop de dois processadores e 4Gb de memória RAM para fazer os cálculos rapidamente, essa tarefa era no mínimo bem demorada nos antigos computadores a válvula (no caso de Lorenz, era um Royal McBee LGP-30, que na época era um excelente computador) e Lorenz, que de burro não tinha nada, decidiu que tomaria os valores impressos no último dia e os usaria para refazer a previsão. Inexplicavelmente, os resultados obtidos foram completamente diferentes do anterior, fato que inclusive fez Lorenz pensar em trocar sua máquina, pensando que a mesma estivesse com defeito. Contudo, antes de ser explorado por algum espertalhão hippie especialista em computadores dos anos 60 (algumas coisas nunca mudam), Lorenz decidiu analisar novamente os dados e, para a sua surpresa, viu que os novos valores coincidiam com os valores antigos para um curto intervalo de tempo, mas quando se passava algum tempo, tais valores iam se tornando cada vez mais distantes. Esperto, percebeu o que seria a essência do caos: Quando Lorenz imprimia apenas três algarismos significativos das suas simulações, se esquecia que, na verdade, o computador trabalha com números “maiores”, e então na verdade ele estava fazendo um arredondamento dos dados. Conclusão: Pequenos arredondamentos, ou ainda, pequenas diferenças nas condições que Lorenz colocava no seu computador, lhe rendiam resultados finais completamente discrepantes! A grosso modo, isso caracterizaria os sistemas caóticos (todos eles, não apenas o clima) futuramente, e Lorenz foi o primeiro a publicar um trabalho nesse sentido (“Deterministic Nonperiodic Flow” - Journal of the Atmospheric Sciences). Mais tarde, participando de uma reunião científica, Lorenz abriu sua palestra com a seguinte frase: “Pequenas perturbações causadas pelo bater de asas de uma borboleta no Brasil³ podem provocar o surgimento de um tornado no Texas?”. De lá para cá, a dependência sensível das equações de Lorenz com relação aos valores iniciais, ou mesmo de outras equações que representem algum tipo de fenômeno (como a previsão do tempo), ficou conhecida como “efeito borboleta”. Nascia aí a teoria do caos!


Afinal de contas, o que é caos?


Se você costuma frequentar salas de bate-papo, comunidades do orkut e fóruns da internet, já deve ter lido todas as definições possíveis (a maioria incorreta, sem dúvidas) sobre caos. A palavra caos, no seu sentido mais popular, pode significar bagunça, desordem, baderna, e por aí adiante, mas essa não é a definição de caos no sentido científico. Se engana também quem pensa que caos é sinônimo de imprevisibilidade, de indeterminismo e de complexidade. Por vezes, sistemas caóticos possuem alguma dessas características, mas existem exemplos onde temos comportamento caótico em sistemas completamente simples, previsíveis, ou se preferir, bonitinhos. Entenda por sistema um conjunto de elementos cujas grandezas que o caracterizam se interrelacionam, como o clima. Os elementos que falo, nesse caso, seriam a temperatura, a pressão atmosférica, a umidade do ar, etc. Mais que isso, no caso do clima, tais elementos estão mudando suas características com o passar do tempo (por exemplo, a temperatura está mudando o tempo todo, mesmo que em pequenas escalas). Sistemas com essa propriedade são chamados de sistemas dinâmicos. Lembra, lá no começo, quando falei sobre sistemas dinâmicos? Pois é! A teoria do caos está exatamente aí, englobada dentro da teoria de sistemas dinâmicos, e nesse contexto a definição de caos poderia assustar mais que a programação da TV de um domingo a tarde (nos outros dias e horários não é muito diferente, diga-se de passagem). O clima, o problema de Lorenz, era exatamente predizer um sistema dinâmico, nesse caso, ainda pior: um sistema dinâmico caótico! Caótico porque o futuro de tais sistemas dependem (muito) sensivelmente das condições iniciais, ou seja, se Lorenz usasse um valor do tipo 2,374 para alguma de suas variáveis, por exemplo, suas previsões poderiam indicar uma tempestade de neve, ao passo que se tomasse para tal variável o valor 2,371, poderiamos ter um sol daqueles que racharia o côco que você havia programado tomar na praia. É claro que esse não passa de um (grosseiro) exemplo, mas é isso mesmo: valores iniciais "próximos" geram resultados muito diferentes! Isso é caos!

As implicações da existência de caos em sistemas dinâmicos teve grande repercussão na comunidade científica, detendo enorme atenção daqueles envolvidos na área, que buscavam adaptar seus modelos à nova descoberta ou mesmo procuravam novas abordagens matemáticas e ferramentas computacionais para driblar o caos de Lorenz, fato que contribuiu imensamente para o desenvolvimento das ciências envolvidas, principalmente a computação, como pode ser notado observando-se o quase meio século que se passou desde então! Do caos fez-se a luz!


Nas asas da borboleta de Lorenz


Edward Norton Lorenz, americano, formado em matemática pela Dartmouth College e pela prestigiosa Harvard, além de meteorologista por uma das melhores escolas de ciência e tecnologia do mundo, o MIT, morreu em abril do ano passado, deixando em seu legado uma mudança filosófica drástica na história da ciência, quebrando o que restava de todo aquele encanto, toda a idéia de perfeição e toda a idealização quase utópica herdada do século XVIII por meio de cientistas como Newton e Lagrange, que julgava ser possível prever todo o passado e futuro do universo caso pudéssemos isolar as forças que governam cada partícula do mesmo. É claro que fantasias dessa magnitude foram quebradas antes pelo princípio de incerteza de Heisenberg, por exemplo, pela teoria da mecânica quântica/estatística, ou mesmo pelo teorema da incompletude de Gödel, que abala os próprios alicerces sob a qual a ciência se apóia, mas sem dúvida Lorenz entrou para a história da ciência ao abalar a forma de abordagem da mesma, sob muitos aspectos, visto que os mais diversos tipos de sistema, na verdade a maioria deles, possui corportamento caótico. De fato, a teoria do caos veio para ficar quando Lorenz soltou sua borboleta para atormentar a natureza. Felizmente, como sabe, os cientistas gostam disso, senhor Lorenz!


__________________________________________________


¹ “A meu ver alguém que considerasse mais sensato para o conjunto do universo mover-se de modo a deixar a Terra permanecer fixa seria mais irracional que uma pessoa que, tendo subido ao topo de uma cúpula apenas para ter uma visão da cidade e dos arredores, pedisse então que toda a região girasse à sua volta, de modo a lhe poupar o trabalho de virar a cabeça."

² "Se você acha que entendeu alguma coisa sobre mecânica quântica, então é porque você não entendeu nada."

³ "Após Lorenz e sua descoberta, de repente todo mundo passou a gostar de borboletas, de tal forma que você verá essa frase com a borboleta da fama em muitos lugares diferentes do mundo (até em Hollywood: alguém já assistiu “Efeito Borboleta”?).



Referências

- Monteiro, L. H. A. Sistemas Dinâmicos, Livraria da Física, São Paulo, 2006.
- Stewart, I. Será que Deus Joga Dados? - A Nova Matemática do Caos, Editora Jorge Lahar, 1991.
- http://profs.if.uff.br/tjpp/blog/entradas/caos-um-erro-de-computacao-e-uma-nova-ciencia

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terça-feira, 21 de abril de 2009

O retrato de Madonna.


Me lembro como se fosse hoje a primeira vez que a vi. Madonna, assim que foi-me apresentada. Foi um certo choque quando vi sua imagem, achei-a linda e intrigante, sim uma intrigante jovem,sensual, nua, `levemente grávida` e com sua áurea vermelha. Sua áurea vermelha foi o que mais me intrigou. Vermelha de quê ? De sangue ? De paixão ? Eu fico com a paixão, pois é paixão que passei a sentir por Ela. Minha paixão é tamanha que quis Ela somente pra mim. Decidi que iria reproduzi-la, me dedicaria arduamente até ter Madonna somente minha, para sempre, nua no meu quarto, uma verdadeira musa com toda sensualidade permitida a uma musa e com sua áurea. Ah, a áurea vermelha de paixão. Minha paixão.

Adorava admirá-la, conversava com Ela, que sempre mantinha sua expressão serena. Às vezes parecia que ia sorrir, ou então abrir os olhos, uma vez achei que fosse bocejar, mas no fim quem bocejou fui eu. Não adiantava, Ela sempre se mantinha delicadamente intacta.

Certo dia porém, quanto fui admirá-la, Ela havia mudado. Olhei novamente, não conseguia acreditar no que via, sua áurea estava amarela e radiante. Sua nudez havia desaparecido sobre um manto azul, sua juventude e sua expressão serena tinham desaparecido e dado lugar a imagem de uma senhora com uma expressão séria. Eu não queria aquela senhora de áurea amarela. Era uma senhora com uma expressão de alguém que espera para ser adorada. Não queria adorar-lá. Queria a minha Madonna de volta, com sua juventude e sua áurea ardente.

Madonna não voltava por mais que minhas lágrimas implorassem. Aquela senhora insistia em não ir embora e ainda cismava em me olhar com ternura, complacência, como quem mal sabe que é o próprio teor da minha ângustia. Não podia ser dessa forma, eu amava Madonna, adorava seu corpo, seus seios a mostra, sua expressão, tinha que fazê-la voltar pra mim. Peguei desesperadamente meus pincéis, minha tinta vermelha e tentei modificar sua áurea, mas por mais determinado que eu estivesse, não adiantava aquela áurea amarela não desaparecia . Foi então que num impulso senti uma dor lancinante, logo depois parei de sentir qualquer coisa que não fosse a vontade de rever minha amada. Ah, minha amada cuja áurea era de uma cor viva e intensa, uma cor de sangue, um sangue que jorrava do meu pulso esquerdo, com um pincel fiz com que aquela áurea voltasse a ser vermelha e que aquela teimosa senhora de manto azul voltasse a ser Ela, minha jovem nua e provocante, Madonna. Pintei euforicamente enquanto a tinta escorria no meu braço e gotejava no chão. Pintava cada vez mais enquanto notava que a imagem de minha adorada Madonna voltava. Quando enfim consegui tê-la de volta, completamente nua e vermelha, já estava tonto, minha vista escureceu e cai sobre Ela. Caimos, nós dois no chão, sobre um sangue vermelho de paixão.

Não podia enxergar mais nada mas pude sentir que estava com a cabeça sobre seus seios, pude sentir sua pele, seus cabelos, seu cheiro. Ah sim, pude sentir seu cheiro. Sentia que ela me segurava em seus braços, me acariciava, e então uma última imagem veio a mim, pude enfim ver seus lindos olhos negros, uma lágrima jorrava deles. Senti seus olhos fixados nos meus, nunca havia sentido tão intensamente a vida. E assim tão rápido a tive, tão rápido seus olhos estiveram em mim, até que Ela os fechou. Para sempre.

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quinta-feira, 2 de abril de 2009

Mas que juventude é essa, Caetano?

"Mas é isso que é a juventude que diz que quer tomar o poder? Vocês têm coragem de aplaudir, este ano, uma música, um tipo de música que vocês não teriam coragem de aplaudir no ano passado? São a mesma juventude que vão sempre, sempre, matar amanhã o velhote inimigo que morreu ontem?"


Para quem pensa que o nosso grande mestre Caetano Veloso apenas faz música de ótima qualidade e adora dizer que tudo é lindo, precisa ouvir o histórico (e ácido) discurso do baiano no 3° Festival Internacional da Canção, veiculado pela TV Globo em setembro de 1968, onde ele dispara contra a platéia toda a sua indignação com relação ao quadro do país na época, principalmente no que cabe à situação da política e da música. Caetano "rodou a baiana" e lançou fortes críticas à postura dos jovens, comparando-os inclusive com aqueles que invadiram o Teatro Ruth Escobar, em São Paulo, e espancaram o elenco da famosa peça Roda Viva, um dos símbolos da resistência à ditadura militar no país. Por fim sobrou para todo mundo, inclusive para o júri, que segundo Caetano, era muito simpático mas era incompetente.

Mas vamos fazer justiça ao Caetano, em dois aspectos: primeiro, o baiano é mesmo o sujeito calmo que todos nós conhecemos, e tal episódio se resume apenas ao festival, como o próprio Caetano lembra durante seu discurso, quando ressalva que "ninguém nunca me ouviu falar assim". Segundo, os jovens nunca foram lá aquilo que se espera deles, nem na época do discurso do Caetano, nem hoje. E olha que os jovens criticados por ele eram aqueles filhos do movimento hippie, que ouviam Beatles e Raul e liam Paulo Coelho (não que ler Paulo Coelho signifique alguma coisa de muito nobre, mas o que os jovens leem hoje?), que se organizavam nas universidades e fundavam partidos políticos, que conspiravam contra a situação política e social do país e que mais tarde saíram às ruas com as caras pintadas em nome da democracia. Se você visse mais de perto a juventude de hoje, Caetano, nem sei o que diria...

"O Problema é o seguinte: vocês estão querendo policiar a música brasileira!"

"Vocês estão por fora! Vocês não dão pra entender."

Escrevendo este artigo, cujo objetivo é refletir rapidamente sobre a postura atual do jovem brasileiro, me veio à cabeça aquela famosa canção do Renato Russo. Sabe, aquela, Geração Coca Cola? Então, tem um trecho onde o Renato canta assim: Somos os filhos da revolução; somos burgueses sem religião; somos o futuro da nação. Será? Renato pinta o jovem brasileiro, talvez metaforicamente, talvez procurando uma forma de instigá-lo, ou talvez com algum saudosismo, como aquele jovem esteriotipado: revolucionário, que quer mudar o mundo, batalhador, sonhador; um jovem ativo, participante da sociedade e construtor da mesma. Mas será que ele é? É claro, não podemos ser utópicos e pensar no jovem dos filmes norte-americanos, que é perfeito, embora não exista na vida real, mas ainda assim há que se estar atento à realidade da nossa juventude. E a questão é: essa realidade é preocupante! Agir, buscar, assumir a responsabilidade do desenvolvimento social e pessoal, tudo isso hoje em dia é, infelizmente, quando se trata do jovem, utopia sim. O jovem atual é preguiçoso, acomodado e passivo. Não lê, não sabe, não pensa, não melhora, não discute, não faz critica nem pinta o rosto de nada, a não ser da bandeira do time de futebol no final da temporada. O fato é que tudo isso está fora de moda. Isso mesmo! Completamente ultrapassado, demodé, "fora do tom", como disse também Caetano. Somos a geração da internet, do big brother brasil 9 (nove?), do orkut (ou seria OrkUtiii?), do sertanejo universitário, que por fim não passa de um repeteco daquela velha história do apaixonado arrependido (...), onde a dupla pode escolher entre imitar o Zezé di Camargo e Luciano ou imitar o Bruno e Marrone. Geração coca cola! Ou para quem gostar de Cazuza, uma daquelas exceções dentre os jovens do Caetano, numa inversão do significado que Cazuza atribuía: geração do "desbunde"!

"E vocês? Se vocês... se vocês em política forem como são em estética, estamos feitos!"


"Vocês não estão entendendo nada, nada, nada, absolutamente nada!"



A música, a literatura, a política, a educação, enfim, a cultura brasileira de um modo geral está, mais do que nunca, sucateada pelos jovens. E é sim, Caetano, é essa a juventude que quer (ou pelo menos, que vai) tomar o poder. A juventude que sempre está a espera de quem alguém coloque a casa em ordem, que tome a frente e principalmente as decisões. E eu imagino como seria desagradável à você, Caetano, ícone da música brasileira e símbolo da luta pela democracia no nosso país, se soubesse que a grande maioria dos meus amigos da universidade (isso mesmo, da universidade) nunca sequer ouviram um disco seu. E mesmo que ouvissem! O que diriam de Tropicália, ou Alegria Alegria? Será que saberiam o que foi o Tropicalismo? Talvez para eles seja apenas folia, carnaval. Que seja, que seja alguma coisa! Faça-se o Carnaval. Afinal, o carnaval é lindo!

"Mas que juventude é essa? Que juventude é essa?"


Quem quiser conferir, aqui o discurso do Caetano pode ser encontrado na íntegra! Abraço a todos!




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domingo, 8 de março de 2009

Um pouco de expressionismo.

Antes de tudo, devo lembrar que este artigo foi escrito por um 'pintor de domingo'. Vou me arriscar a falar de um movimento que me chamou muito a atenção logo que comecei a pintar.


O movimento expressionista surge como uma ruptura do movimento impressionista. Começa com algo que podemos chamar de pós-impressionismo, que vemos nos quadros do Van Gogh. Ainda é uma reprodução da realidade, mas sem a fidelidade de imagem e cores do romantismo e do impressionismo. As cores deixam de ser tão fiéis à realidade, os traços distorcidos passam a valorizar e projetar a expressão.
O pós-impressionismo evolui para o que chamamos de expressionismo. Neste, os quadros passam a abordar temas pesados como o sofrimento e a angústia humana. Utiliza-se uma imagem visual que nos remete a uma realidade interior.

Um dos grandes nomes deste movimento é Edward Munch, autor do quadro que podemos considerar o ícone do movimento, `Skrik` (noruegues) ou `O grito`(1893). Nele podemos ver claramente as características básicas do movimento como cores fortes, sem necessariamente condizer com a realidade, e distorções nas imagens ampliando a expressão do personagem.

Uma outra grande obra do Munch, que eu particularmente adoro é `Puberdade`. Neste quadro, a expressão da garota fala por ele. Timidez, repressão, vergonha, uma sombra exagerada... Entretanto, na minha opinão, a grande obra de Munch é a Madonna. Sobre ela vou dedicar um post completo.


No Brasil, o movimento expressionista comeca com Lasar Segall, pintor e escultor lituano que apresentou pela primeira vez a arte expressionista no território brasileiro, em 1913, numa exposicão individual em São Paulo e em Campinas. Ninguém entendeu o que ele fez ! Nem a crítica, muito menos o publico. Coube a Anita Malfatti que já conhecia o expressionismo das suas viagens de estudo à Alemanha e Estados Unidos, despertar para o público essa novidade na expressão artística na sua segunda exposição individual, em 1917. Sua obra foi recebida inicialmente pela crítica com grande desconfiança. Com um forte colorido e contrariando totalmente a pintura acadêmica, ela gerou acirradas discussões e controvérsias.
Em 14 de dezembro, o Correio Paulistano num trecho comentava:

"A exposição da senhorita Malfatti, toda ela de pintura moderna, apresenta um aspecto original e bizarro, desde a disposição dos quadros aos motivos tratados em cada um deles."

Nesta época Monteiro Lobato, famoso pelo seu conservadorismo e preconceito, lançou na imprensa uma crônica intitulada `A propósito da exposição Malfatti`. Nela o escritor comparava a pintura de Anita à dos loucos ou mistificadores.

"Há duas espécies de artistas. Uma composta dos que vêem normalmente as coisas e em consequência disso fazem arte pura... Se Anita retrata uma senhora com cabelos geometricamente verdes e amarelos, ela se deixou influenciar pela extravagância de Picasso e companhia - a tal chamada arte moderna..".

Foi bastante cruel com a jovem pintora, mas sem querer provocou a reação de jovens intelectuais em defesa de Anita e o nascimento do movimento modernista no Brasil. Nesta época, por volta de 1910, o movimento cubista começava a nascer. No quadro de Anita ao lado `A mulher de cabelos verdes` podemos observar, além de alguns aspectos expressionistas, uma grande influência do cubismo.

E o expressionismo não ficou somente nas telas, atingiu o cinema, teatro, arquitetura, música e literatura. Na literatura podemos observar a influência do expressionismo nas obras de Kafka, 'A metamorfose' é um exemplo. No cinema temos como exemplo o filme Nosferatu, a Symphony of Horror (1922).



Referencias:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Lasar_Segall
http://pt.wikipedia.org/wiki/Expressionismo
http://pt.wikipedia.org/wiki/Anita_Malfatti

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sábado, 21 de fevereiro de 2009

Ciência e religião, uma reflexão (Parte I)

Seria presunção da minha parte, embora pareça muito natural que se faça isso antes de promover uma discussão acerca do assunto que proponho, tentar definir religião e ciência. É verdade, pois, que nem mesmo os filósofos mais inspirados foram capazes de tal proeza, mas como preciso começar de algum ponto, darei aqui apenas o que chamo uma definição filosófica da ciência e da religião, dizendo que ambas são sistemas de conhecimento que fornecem interpretações do mundo - natural e social - através de verdades instituídas a priori e/ou construídas a partir de um senso comum. Cumpre dizer que tal definição de forma alguma representa a visão dos filósofos sobre tais assuntos e pode (e deve) estar equivocada, mas por enquanto é o melhor que temos, então sugiro que sigamos em frente.

Verdade é que cientistas e religiosos fornecem interpretações diferentes sobre o mundo, a vida, a natureza, o universo, etc, e nesse ponto há interpretações para todos os gostos. Há quem diga que interpretações científicas e religiosas podem coexistir; há quem diga que não. Há quem diga que os primeiros estão certos, mas aquilo que os mesmos (ainda, talvez) não explicam abre espaço para a visão religiosa (...). Einstein, frequentemente "disputado" em uma queda de braços sem fim entre religiosos e não religiosos, no que confere a sua posição religiosa, nos dá pistas sobre a questão quando dispara que

"A ciência sem a religião é manca; a religião sem a ciência é cega."


Sinceramente, dizer que tal frase é uma pista sobre a religiosidade de Einstein é uma atitude muito otimista face às implicações filosóficas que ela fornece, mas ao menos nos dá alguma inspiração para debater o assunto.

Nesse ponto, me ocorre um conflito sobre minha posição com relação ao assunto, pois apesar de procurar não tomar partido de lado algum e apenas conduzir a discussão, não posso negar que, como matemático, tenho uma leve tendência a me sentir mais amigável com a posição científica, fato que me faz pedir sinceras desculpas ao leitor pelas vezes que tomarei as rédeas (por motivos bons ou ruins) e argumentarei de forma pessoal. Para aqueles que temem que atacarei a religião, peço que continuem a leitura para verem que esse não é o intuito (e nesse contexto, não conheço bons motivos para fazê-lo); se forem céticos quanto a essa minha afirmação, o que seria ótimo, leiam a conclusão do artigo, onde explico minha posição com relação a religião, e depois voltem à leitura, caso desejem. Já que toquei no assunto, aliás - embora, assumo, antes do que desejava - vou colocar aqui minha opinião e ao mesmo tempo justificar minha iniciativa em escrever este artigo. Imito Einstein na construção do meu argumento, e digo que



Religião com ciência é sensatez; Ciência com religião é desonestidade.


Este artigo pretende ilustrar essa minha opinião (e aqui existe um bom motivo para colocá-la, pois preciso dar foco ao artigo) com exemplos onde existem conflitos entre a visão científica e a religiosa, o que penso ser mais interessante e menos cansativo do que embrenhar uma justificativa mais "teórica", digamos assim. Também dividirei o artigo em duas ou três partes, para que lê-lo não se torne a coisa mais difícil a respeito do mesmo. Por enquanto, chega de conversa e vamos ao que interessa.



A religião como objeto de estudo da ciência


Em seu livro Quebrando o Encanto - A religião como fenômeno natural, Daniel Dennett, filósofo norte-americano e professor da Tufts University (Medford/USA), defende que a religião pode e deve ser estudada pela ciência. Dennett justifica sua posição dizendo que

"É mais do que tempo de submetermos a religião como fenômeno global à mais intensa pesquisa multidisciplinar possível, aliciando as melhores mentes do planeta. Por que? Porque a religião é algo muito interessante para que nos mantenhamos ignorantes a seu respeito. Ela não afeta apenas nossos conflitos sociais, políticos e econômicos, mas os próprios significados que encontramos em nossas vidas. Para muitas pessoas, provavelmente a maior parte das pessoas na Terra, não há nada mais importante que a religião. Exatamente por esse motivo, é imperioso que aprendamos o máximo que pudermos a respeito dela."

Concordo com Dennet, pois acho a religião demasiadamente interessante e influente em nossas vidas para que vivamos a margem dos seus segredos. Além disso, o quanto não poderíamos lucrar, em termos humanísticos, conhecendo melhor a religião? Guerras, miséria, fome, corrupção, crimes, etc; quanto dessas desgraças não poderiam ser evitadas, ou pelo menos abrandadas, se tivéssemos melhor conhecimento a respeito da religião? E quanto dessas não sofrem influências diretas (negativas ou positivas) da religião? Sem dúvidas, Dennett tem razão: é mais que tempo de colocarmos a religião sob os olhos da ciência, de todas elas, tais como a biologia, a antropologia, a história, a física, a sociologia, etc. É mais que tempo; é mais que sensato! Religião com ciência, como disse, é sensata! Contudo, acho que essa é uma via de mão única, o que significa que, embora penso que a ciência deva investigar diretamente a religião, o contrário não deve acontecer de forma alguma. Devido a isso, provavelmente serei chamado de hipócrita por alguns dos que leram meu artigo de apresentação aqui no blog (What the bleep do you know? O blog Causarum Cognitio), onde digo que usarei da imparcialidade nos artigos aqui postados. Talvez tenham razão, talvez não, mas o fato é que, insisto, a religião não deve estar presente na ciência, simplesmente por uma questão de honestidade intelectual (e também porque não queremos os químicos, por exemplo, manipulando nossos remédios e tendo fé que eles funcionem, ao invés de testá-los). Justificarei essa minha opinião, aparentemente parcial e presunçosa, na segunda parte deste artigo. Por enquanto, para nos dar alguma base argumentativa, vamos dar uma rápida investigada no passado e ver como foi essa relação da ciência com a religião, e também como ela é hoje.



Uma breve história do tempo...


Historicamente, ciência e religião tem tomado a frente quando o assunto é explicar a natureza das coisas, da vida e do universo. Vimos a religião dominar mesmo o pensamento das grandes mentes da antiguidade, de tal forma a estar intimamente ligada com a filosofia e a ciência da época, perdurando imponente até a idade média. A história nos mostra, contudo, a humanidade emergir do obscurantismo desse período e mergulhar no pensamento renascentista, deixando de lado a visão completamente teísta para uma mais humanista, antropocentrica. Com o passar dos séculos, o secularismo se instaura em boa parte do mundo ocidental e antigos conceitos fundados pela igreja são substituídos por conceitos científicos, tais como o heliocentrismo e o evolucionismo, substituindo o geocentrismo e a verdade literal da bíblia, respectivamente. A igreja, por outro lado, defende seu território: instaura a Inquisição, a Caça às Bruxas, o Index Librorum Prohibitorum (Índice dos Livros Proibidos), etc, ao mesmo tempo que tenta conciliar alguns de seus dogmas com verdades científicas irrefutáveis (aceitação do heliocentrismo, por exemplo); perde espaço através dos anos, e dessa forma procura colocar sua posição na mídia, na ciência, nas escolas, na sociedade, etc, na busca pelos fiéis e procurando preservar seus dogmas, causando atualmente, como chamo ironicamente aqui, uma contrarreforma científica, levando inúmeros cientistas, céticos, críticos e ateus a defender o espaço da ciência. Exemplos não faltam: Carl Sagan, Sam Harris, Richard Dawkins, Daniel Dennett (citado acima), Steven Pinker, Christopher Hitchens, etc. E a coisa é séria! Tanto que hoje existe nos Estados Unidos e em alguns lugares da europa o movimento dos não crentes The Brights (algo como "Os Brilhantes", em português, título que, aliás, já causou muita polêmica), que defende uma visão de mundo naturalista. Enquanto isso...



A questão do misticismo na ciência


A margem desta guerra, mas muito provavelmente inpirados por ela, oportunistas de todos os tipos tentam conciliar ciência e religião, ou ciência, misticismo e religião, (ab)usando da confiança depositada pelas pessoas na ciência. A lista é grande: místicos, médiuns, astrólogos, pseudocientistas, cartomantes, visionários, curandeiros e todo mais um bando de "profissionais" inescrupulosos que falam em nome da ciência e prometem em nome da religião (e o contrário também). Para quem quiser entender melhor o que estou falando, basta dar uma breve olhada (breve mesmo) no "documentário" What the bleep do you know? (Quem Somos Nós?) e no livro/filme The Secret (O Segredo), que usam (assim como outras investidas charlatanistas) todo tipo de estratégia - tal como marketing e frases de autoajuda - para defender suas idéias pseudocientíficas, principalmente a pobre da Física Quântica, alvo preferido dos adeptos do "a física quântica realmente começa a apontar para esta descoberta: ela diz que você não pode ter o universo sem a mente fazendo parte dele..." ou mesmo "está provado cientificamente que um pensamento afirmativo é centenas de vezes mais poderoso que um pensamento negativo..." (esta última frase foi dita por um visionário - sim, um visionário - no filme "The Secret"). E eu me pergunto é como se mede um pensamento, ou como um visionário sabe coisas sobre o pensamento que hoje nem um neurocientista, um biólogo e um cientista cognitivo juntos saberiam responder! Vai entender...
É uma pena, pois, saber que essa onda de misticismo acerca da ciência envolve algumas vezes opiniões positivas de acadêmicos com grande gabarito intelectual, tais com a Dra. Leila Marrach Basto de Albuquerque, professora da UNESP, campus de Rio Claro/SP. Coloco abaixo um trecho de seu artigo que trata do assunto, onde a professora descreve a situação atual com suas palavras, e que pode ser encontrado na íntegra no Portal Unesp (Ciência e religião no tempo em que vivemos):


"Hoje, o religioso se expressa na linguagem da ciência e o cientista usa a linguagem das religiões. Filósofos esperam construir uma prática científica mais gentil com o auxílio de idéias religiosas. Sociólogos se voltam para o oriente em busca de sabedoria. Concepções de uma natureza animada e panteísta inspiram projetos ambientalistas. Astrônomos explicam o universo pelo seu poder criativo. Astrólogos auxiliam psicólogos na árdua tarefa de tornar as experiências humanas menos penosas. Médicos atestam a importância da religiosidade no tratamento e cura de doenças. Cientistas identificam equivalências entre o misticismo oriental e os modelos mais avançados da física. A compreensão da mecânica quântica é comparada ao estado de iluminação budista. Ondas, moléculas e átomos ganham sentidos transcendentes, distantes do materialismo científico. Energias revitalizam pessoas, objetos e moradias. Velhos esoterismos são recuperados, xamanismos são mobilizados e o criacionismo substitui, nas escolas, a nossa tão cara idéia de evolução. Uma folia!"


Com todo respeito à professora, que aliás é uma grande pesquisadora e especialista em sua área, a sociologia, fato evidenciado pelo seu currículo, devo dizer que discordo fortemente das suas opiniões acerca desse novo pensamento místico-religioso-científico, no que cabe às suas conclusões envolvendo as ciências naturais e exatas, pois não existem provas científicas que comprovem, por exemplo, que "energias revitalizam pessoas, objetos e moradias", nem evidências sérias ou relatos concretos que mostrem que "astrônomos explicam o universo pelo seu poder criativo" (o que seria o poder criativo do universo?), pelo menos não de astrônomos sérios comprometidos com a ciência e com a metodologia científica; tampouco podemos concluir que "ondas, moléculas e átomos ganham sentidos transcendentes, distantes do materialismo científico", a menos que se leve em conta cientistas místicos como o indiano Amit Goswami, "físico quântico" e místico assumido que, desde praticamente vinte anos atrás não pública um trabalho com credenciais científicas reconhecidas pelas universidade onde trabalha (em breve o Rafael Viegas, que é físico, postará um artigo sobre Física Quântica e outro sobre o Amit Goswami, mas para quem quiser conferir algo sobre o assunto desde agora, no mesmo Portal Unesp podemos encontrar o excelente artigo Mecânica Quântica garante que a consciência altera a realidade?, do físico Dr. Leonardo Sioufi Fagundes dos Santos). Para ser sincero, a única coisa que concordo com a professora nesse trecho do seu artigo, no que cabe ao contexto do período atual, é que tudo está "uma folia!". Folia sim, mas verdade científica, isso eu duvido muito.



Conclusão


Para finalizar, digo que o intuito dessa breve contextualização histórica e dessa caracterização do cenário atual (incluindo aqui o misticismo), bem como o exemplo que trouxe da professora Leila, é apenas para mostrar a disputa entre a ciência e a religião, assim como a mistificação da ciência. Finalmente, na segunda parte do artigo, discutiremos o quanto a religião deve interferir na ciência, onde defenderei com alguns exemplos que essa interferência não deve existir, simplesmente por uma questão de honestidade e sensatez.
Concluo dizendo que este artigo não tem por objetivo desmoralizar a religião e fincar uma defesa armada da ciência, no ponto que chamei acima de "guerra", mas sim argumentar no sentido que, independentemente da religião estar mais ou menos correta que a ciência, a mesma (religião) não deve estar presente em campos que, definitivamente, estão sob o domínio dos cientistas, tais como o ensino sobre a origem da vida nas escolas e questões acerca da aids, do uso de preservativos ou mesmo sobre curas usando células tronco embrionárias, temas esses confirmados para a segunda parte. Com relação aos místicos que usam da ciência como escudo para suas imposturas e pseudoverdades, estes sim merecem, justificadamente, um levante por parte dos cientistas, mas não falarei deles (neste artigo) mais do que já falei acima. Sendo assim, termino por aqui. Em breve continuo com a segunda parte! Obrigado pela leitura!

P.S.: Me perdoem pelo tamanho do artigo pessoal. Vou tentar deixar a segunda parte mais curta. Até lá!


Referências

- Quebrando o Encanto: a religião como fenômeno natural - Daniel C. Dennett; [tradução Helena Londres], - São Paulo: Globo, 2006.
- http://www.unesp.br/aci/debate/religiao.php
- http://www.unesp.br/aci/debate/quantica.php


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