segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Um dia realmente especial




 Hoje é um dia especial! Dia das crianças, dia de Nossa Senhora Aparecida (com “n”, “s” e “a” maiúsculos) e dia de chover. Isso mesmo! Dia doze de outubro é dia de chuva. E bem por esse motivo hoje eu torci para isso não acontecer. Juro! Apesar do tempo indicar o contrário, eu teria rezado (se acreditasse que isso funciona) para que a chuva não viesse. E não foi porque na última vez que São Pedro deu o ar da graça a cidade de São José do Rio Preto quase parou debaixo d’água ou porque não gosto de chuva (eu adoro chuva). A questão é outra!

O fato é que aqui na região de São José de Rio Preto pelo menos, parece haver a seguinte crença: dia 12 de outubro chove! Não importa o ano, sempre chove. E o motivo? A resposta é óbvia: dia doze de outubro é dia da “padroeira do Brasil”, dia da Aparecida. E embora ela não seja a “Nossa Senhora da Chuva Certeira do Dia Doze de Outubro”, a água veio mesmo, com fé e vontade, literalmente; e eu fiquei aqui pensando: o que alimenta uma crença tão pouco provável quanto essa em pleno século XXI, quando temos acesso praticamente instantâneo a quase todo tipo de informação? É claro que exemplos de crenças estranhas desse tipo não faltam, mas essa merece uma breve análise e, como de costume, uma pequena longa discussão. Vejamos duas situações:

  • Primeira: dia doze de outubro chove e pronto. Na Argentina, em Honduras, na Holanda, na Austrália, enfim, em cada canto de cada país que acompanha o calendário gregoriano.
  • Segunda: dia doze de outubro chove, mas é só em alguns lugares.

Ora, a primeira situação significaria reeditar a bíblia para incluir o segundo dilúvio (e o primeiro que de fato se teria registro, diga-se de passagem), e parece não ter chovido assim desde que a humanidade se entende por gente. A segunda é, além de contraditória, infantil: todos os dias chove em algum lugar, em especial no dia doze de outubro; ou seja, é como já sabiamos (sabíamos?): dia doze de outubro é um dia tão propício à chuva quanto os outros dias do ano, obedecendo as tendências das estações do ano, claro. Ou seja, tal crença é facilmente refutada com trinta segundos de reflexão, e mesmo assim ela perdura, ano após ano. E sobre a segunda situação, eu ainda me pergunto: por que chover aqui e não ali? Deus é geograficamente parcial? Se é, não deveria ser! E mais: porque chuva, e não arco íris, terremoto, vendaval, tempo limpo, brisa? E porque não no dia de outro Santo? A padroeira veio do rio e portanto gosta de água? Acho pouco provável.

Ironia a parte, me falta responder uma última questão: porque escrever um artigo desses? Porque não deixar os religiosos em paz com crenças desse tipo, que nada de mal faz a ninguém. Bem, pelo tom da minha escrita, qualquer um pode deduzir que não sou um sujeito religioso, mas isso de fato é irrelevante aqui. A ciência, da qual sou “partidário”, também tem suas crenças ruins, embora não em deuses. A questão é que se num país onde 90% das pessoas se diz católica, 10% dessas acreditar em crenças tão irracionais e infundadas como essa, o que podemos esperar dessas pessoas na próxima eleição presidencial, por exemplo? O que podemos cobrar dos nossos alunos do ensino fundamental se acreditamos que dois e dois são cinco por pura preguiça de esticar nossos dedos e contar? A corrupção da racionalidade que ocorre por aqui não é apenas vergonhosa, mas preocupante, e todos pagamos o preço. Se acreditamos piamente que dia doze de outubro indiscutivelmente chove, sempre, não acreditaremos também que homeopatia cura doenças, que camisinha de fato prejudica no combate contra a aids e que os processos do senado tem sido arquivados porque todos os políticos são bonzinhos e honestos? Pode alguém dizer estou exagerando, e talvez eu esteja mesmo, mas de propósito, pois não é de hoje que nossa falta de interesse em tudo, nossa falta de crítica e nossa passividade tem sido explorada de forma negativa e contra nós. Não quero dizer aqui que devemos deixar de acreditar em algo, ou que a religião é ruim, mas digo que é possível ter suas crenças sem ter os olhos tapados dessa forma, e que devemos ser mais críticos. Por isso eu queria que hoje não chovesse por aqui. Queria que as pessoas olhassem, pensassem e concluíssem nada mais que "isso de chover dia doze de outubro não tem nada a ver". Devemos pensar, reconsiderar, refletir o mínimo para não sermos enganados por qualquer falácia, seja ela de que natureza for. Afinal de contas, dessa forma, se nos tornarmos escravos da nossa própria ignorância, quem poderemos culpar pelo fato das coisas não serem como esperamos? Apenas a nós mesmos!


P.S.: Alguém de algum lugar que não tenha chovido hoje?

2 comentários:

  1. Carol Penhavel12/10/2009, 13:47

    De início quero fazer uma observação: embora hoje tenha chovido aqui também, não tive chuva no meu doze de outubro há pelo menos uns três ou quatro anos! Porém, nessas ocasiões, ouvi dizer que a "tradição" de chover nesse dia falhou. Nossa Senhora falhou? Ou será que a crença nessa tradição é que falhou? Crenças e/ou descrenças à parte, é claro que não foi a Nossa Senhora quem falhou! O que falhou foi essa crença! De fato, a relação entre o dia da padroeira e, como dizem alguns, "abençoada chuva" cai bastante bem, e até digo que a acho um tanto bonita. Mas vamos deixar a Nossa Senhora isenta disso! Afinal, se assim fosse, teríamos que envolvê-la na explicação do porque a chuva castiga a uns por seu excesso, como aconteceu em Rio PReto, ou porque castiga a outros pela escassez. (Também não vale transferir essa responsabilidade a São Pedro, só porque ele teria cedido o privilégio de deixar Nossa Senhora chover no dia dela!)
    Esse tipo de crença é bastante semelhante àquele que muitos já devem ter ouvido dizer, de que se chove no dia em que alguém morre, é porque essa era uma boa pessoa e foi para o céu. Esse é mais uma crença um tanto furada na minha opinião... De fato, precisamos nos ater a isso: não deixar que as crenças e costumes sobressaiam à realidade e à racionalidade. E é importante ressaltar: isso não significa desrespeito à nenhuma crença: é apenas lidar com isso com responsabilidade e inteligência!
    De qualquer forma, não nos custa morrer numa época mais chuvosa...

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  2. Realmente neste século as informações científicas estão em acesso a quase toda a população mundial.
    Mesmo assim acho que não convém atacar a crença de ninguém. Eu não creio nessas coisas, nem nesses santos. Creio somente no Criador. Mas não é bom discutir crenças, exceto quando ela prejudica alguém.

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