domingo, 28 de março de 2010

Onde estão os matemáticos?

"O livro da natureza não pode ser lido até aprendermos sua linguagem e nos tornarmos familiares com os símbolos no qual está escrito. E ele está escrito em linguagem matemática, e suas letras são triângulos, círculos e outras figuras geométricas, sem os quais é humanamente impossível compreender uma única palavra e há apenas um vagar perdido em um labirinto escuro."

Galileo Galilei, Il Saggiatore, 1623.

Você não ouve falar neles, não os vê ganhar o prêmio Nobel, não sabe o que eles fazem na universidade, não conhece nenhum matemático famoso e nunca viu qualquer notícia sobre a pesquisa deles nos jornais. Afinal de contas, o que acontece com esse grupo de pessoas que parece uma comunidade mais secreta do que científica?


Na foto: David Hilbert, um dos maiores matemáticos do século XX.


Quem escreve um texto sobre matemática?

Antes de tudo, gostaria que comunicar-lhes agora, caros leitores, que vocês acabam de conhecer um matemático, que é esse que vos escreve (não, eu não sou com computador super avançado capaz de redigir textos engraçadinhos). Sou matemático mesmo, bacharel em matemática, não dou aula em escola alguma e, acredite ou não, faço pesquisa na universidade e recebo para isso. Quer mais? Não me lembro de fórmula alguma que não seja aquela de Báskara e não gosto de fazer contas.  Se achou estranho, vejamos o que você vai achar deste e  dos próximos textos que escreverei aqui no blog. Pretendo mostrar a verdadeira matemática, de forma bem descontraída, e provar que a matemática pode ser muito interessante e curiosa, muito mais do que imaginamos.  Discutiremos a relação da matemática com a física, com a filosofia e até mesmo com a religião. Melhor que isso: pretendo escrever um texto só com aplicações da matemática, onde provavelmente surpreenderei mesmo o mais cético com relação à matemática. Se você acha que logaritmo é uma coisa chata e que não serve para nada, irá se impressionar com as teorias e entes matemáticos muito mais complexos e abstratos que o tal do log que revolucionaram a ciência e mesmo a sociedade.


O que é matemática, afinal?

Para começar, precisamos entender o que é matemática e do que ela trata, ou seja, qual é o seu objeto de estudo, e nesse sentido digo que a matemática é, antes de qualquer coisa, uma ciência. É claro que, como em quase tudo nesse mundo, existem controvérsias. A ciência é regida por um método, o método científico, e esse método nos diz que uma teoria só pode ser considerada uma verdade, pelo menos uma verdade científica, se a teoria puder ser comprovada empiricamente (no laboratório, por exemplo) e reproduzida por qualquer outra pessoa que esteja em condições de fazê-lo. Na matemática não é bem assim, pois todo o conhecimento matemático é abstrato e, dessa forma, não pode ser verificado experimentalmente, fato que poderia classificar a matemática em outra categoria de conhecimento, que não o científico. Mas esta é uma conversa para depois, e os filósofos talvez pudessem nos dizer mais sobre a questão do que nós, cientistas (incluindo os matemáticos).

O fato é que a abordagem matemática é tão ampla que mesmo entre os matemáticos existem divergências sobre o objeto de estudo matemático. Poderia me arriscar a dizer que a matemática é aquela ciência que, baseada na lógica formal, estuda objetos abstratos, analisando a estrutura de tais objetos e procurando padrões, relações entre objetos de natureza distinta. Essa é uma definição complicada e imagino que, dita dessa forma, ela parece ser a coisa mais abstrata nesse momento, mas não é tão complicado assim. As estruturas abstratas a que me referi são, em muitos casos (senão na maioria), inspiradas na natureza, na prática. Além disso, o contrário do que eu disse também acontece, no sentido que a maioria dos objetos estudados pelos matemáticos encontram aplicação prática, se tornando uma solução para um problema de interesse daqueles cientistas ditos naturais, como físicos e biólogos, por exemplo, e talvez por isso vejamos muito mais esses profissionais na mídia do que os matemáticos.  Neste ponto faço questão de grifar o que para mim é o cerne da matemática: ela parece traduzir perfeitamente os eventos que ocorrem na natureza! Tão perfeitamente que por vezes essa estranha relação entre o abstrato e o concreto, o irreal e o real, originam conotações divinas entre os matemáticos, fato que não me admira, mas que me parece uma atitude precipitada, e também pretendo discutir isso adiante, em outro texto. (abaixo, o fractal de Mandelbrot).


Poderíamos aqui dar outra definição para a matemática, desta vez uma definição mais bonita e elegante, embora aparentemente presunçosa, e dizer que a matemática é a linguagem da natureza! Sob a luz dessa charmosa caracterização, explico melhor o disse acima e acabo de repetir: muitos cientistas naturais, aqueles que procuram compreender a natureza e explicar os fenômenos que ocorrem nela, durante o seu trabalho, tem a missão de “matematizar” o seu problema, escrevê-lo em linguagem matemática, construindo o que chamamos de modelo matemático do problema, para que, nesse ponto, possa utilizar das ferramentas desenvolvidas pelos matemáticos para obter os resultados em sua área. Não é a toa que qualquer curso de ciências exatas tem uma porção razoável do rol das suas disciplinas preenchidas por disciplinas de matemática.

 Isso naturalmente explica algumas das perguntas que fiz no começo do texto, como por exemplo, o fato do matemático não ser um profissional popular na mídia. O que acontece é que o papel da matemática, embora fundamental e insubstituível, começa depois do problema ser formulado e termina antes da interpretação dos resultados por parte do outro cientista, e o que nos interessa, o que parece ter relevância no nosso dia-a-dia são as perguntas e, imediatamente após, as respostas, não o meio pelo qual as respostas foram obtidas; ou seja, o matemático trabalha no plano de fundo da investigação científica, fornecendo todo o suporte necessário para que possamos atacar os problemas que surgem na prática, como por exemplo, prever a órbita de um satélite, otimizar processos industriais e minimizar custos, simular as oscilações da bolsa de valores, criar modelos atmosféricos para previsão de tempo, etc, e por isso a matemática é muitas vezes chamada de ciência de base. É claro que existem os matemáticos que trabalham exclusivamente com matemática aplicada, fazendo o papel de outros cientistas, mas apesar disso, ao tratar o assunto, você verá físicos, engenheiros, economistas e até a mulher que dá a previsão do tempo no jornal, mas não verá um matemático

Vale dizer também que não pretendo afirmar aqui que a ciência está a mercê da matemática ou mesmo  fazer qualquer apelo intelectual em nome dos matemáticos frente ao aparente descaso da sociedade por estes. Na verdade, fazendo algo como uma definição alternativa da matemática, ela poderia ser encarada simplesmente como uma linguagem, assim como temos a linguagem escrita para representar as palavras que falamos, e ser incorporada de forma natural à ciência. A questão é que, dado que a matemática parece ser uma ciência independente, autônoma, e se diferenciar das outras por estar substancialmente concentrada no campo das idéias, ela faz previsões e revela segredos da natureza que seriam impossíveis ser desvendados sem ela., e por conta disso faço essa defesa apaixonada da importância da matemática. Obviamente muita coisa está por trás disso tudo, coisas que fogem ao escopo racional/empírico da ciência e recai propriamente sobre a filosofia da ciência, mas trataremos dessas questões nos próximos textos, já que aqui tratamos essencialmente de discutir o que é a matemática, qual a sua relação com outras ciências e qual o papel do matemático nesse contexto. Neles, talvez precisamente em um único texto, faremos outras perguntas nesse sentido e levantaremos questões mais fundamentais como: a matemática foi inventada por nós ou é algo que sempre existiu, independente do homem? O fato de a natureza (que é algo que podemos ver e sentir) obedecer fundamentalmente à leis matemáticas exatas e abstratas pode indicar algum indício de projeção da mesma por parte de um ser superior? Discutiremos brevemente a dualidade realismo-intuicionismo e decidiremos nosso lado nestas questões. Enquanto isso, deixo aqui meu agradecimento pela leitura e o convite para o próximo texto.



*** Farei todo o esforço para que os próximos textos não sejam de leitura mais difícil que este, afim de manter a nossa motivação. Para aqueles que passam aqui no Causarum vez ou outra, peço desculpas em nome dos membros o blog pelas poucas publicações. O tempo está curto, mas continuamos por aqui.

Leia Mais…
 
BlogBlogs.Com.Br