Este texto pretende ser uma continuação do meu último post (Onde estão os matemáticos?), e discutir essencialmente o papel da matemática na ciência e suas implicações sobre nossa idéia de natureza e de realidade. Afinal de contas, por que motivos a natureza é representada por leis, fórmulas e teorias que a princípio não teriam nenhum contato com o mundo físico? Antes disso, na verdade, é sensato pensar se faz algum sentido se referir a mundo físico. Ora, se a matemática é fruto do conhecimento e da invenção humana e se somos, pois, seres físicos, constituídos de matéria, como poderíamos criar algo que fugisse a este mundo ao qual pertencemos? A resposta para estas questões não são imediatas e talvez nem exista, mas mesmo assim faço questão de levantar duas teses, embora pretenda defender apenas uma delas. Primeira: a matemática pode não ser fruto da criação humana, ou seja, pode ser algo que sempre existiu, ao qual estamos descobrindo através do tempo e utilizando de acordo com nossas necessidades práticas, com o que pede nossa ciência e nossa tecnologia. Se este for o caso, então temos em mãos algo impressionante, pois estamos desvendando algo intrínseco da natureza, algo mais que uma linguagem. Estamos descobrindo o próprio cerne da natureza, o código segundo o qual os eventos naturais que nos rodeiam acontece. Esse ponto de vista defendem aqueles chamados realistas, em oposição ao intuicionistas. A tese intuicionista, a segunda a que me propus a apresentar, é aquela que diz a matemática foi inventada pelos seres humanos. Mas então, se ela não passa de algo criado para nos servir, por que razão ela é capaz de representar os fenômenos que ocorrem em nossa volta?
Defender a tese intuicionista é tarefa nada fácil, mas como faço parte deste time e ao que parece estou disposto a debater sobre o tema, vou me prestar a dizer algo sobre isto. A matemática é, ou pelo menos foi no início, algo inspirado unicamente na natureza e nas necessidades diárias. Nossas fontes mais remotas que dizem sobre sua história denunciam que a matemática nasceu da necessidade de se contar as coisas, estabelecer medidas e relações entre objetos. Ou seja, a matemática parece ter nascido e amadurecido inspirada unicamente na natureza.É claro que isso não resolve a questão sobre ter a mesma ter sido criada ou descoberta, mas certamente nos diz que toda a evolução que ela sofreria com o passar dos séculos se deu com base na observação do mundo ao nosso redor, de tal forma que, mesmo que a matemática se voltasse para um campo mais abstrato, a sua essência é indissociável do mundo prático. Sua beleza, ao que me parece, consiste do fato de que ela pode assumir uma forma totalmente abstrata e ir além do que podemos avançar unicamente com nossos sentidos, e neste ponto encontra-se o salto que não podemos acompanhar, que nos faz pensar que ela só pode ser algo além da nosso criação.
Fato é que a matemática se tornou uma ferramenta, e nesse ponto penso em ferramenta unicamente como linguagem, capaz de pensar o infinitamente grande e o infinitamente pequeno, e provavelmente reside aí grande parte de todo o desprendimento da realidade que a caracteriza. Não podemos conhecer todo o universo, nem enxergar os átomos que compõe a matéria, mas matematicamente podemos pensar e escrever um número muito grande ou muito pequeno com a mesma facilidade com que escrevemos o número cinco, ou o número dois, por exemplo. Embora não possamos alcançar muito longe com nossos sentidos básicos, podemos através da experimentação ver manifestações de eventos que ocorrem em escalas muito discrepantes daquela com a qual podemos lidar, e como a matemática concebe tais escalas, somos capazes de estender nosso conhecimento para além daquilo que nos é palpável, mas apesar disso, talvez nos equivoquemos ao dizer que a matemática é algo que não poderia ser inventado.
Matemática e Religião
Alguém que ainda não tenha pensado no assunto pode achar estranho esse subtítulo, mas na verdade a relação entre as duas coisas é mais forte do que se imagina. Na verdade, pode-se facilmente construir uma ponte entre matemática e religão, sendo o pilar que a sustenta a filosofia.Pudera! Antes que sonhássemos com a ciência que conhecemos hoje, eram indissociáveis ciência, filosofia e teologia. Poderia-se inclusive incluir no debate que travamos acima, sobre a natureza da matemática, a religião, e quantos já não o fizeram antes? De qualquer maneira, gostaria de ser mais específico e fazer a seguinte pergunta: por que motivo os matemáticos parecem acreditar mais em deus que outros cientintas? Na verdade, talvez fosse mais natural que acontecesse o contrário, dado o alto grau de racionalismo e ceticismo que carrega consigo cada matemático, mas deixemos essa discussão para o próximo post...
Ótimo, mesmo! rs....
ResponderExcluirAgora, querendo fazer o papel do advogado do diabo, rs.... tenha uma questão a levantar! seguinte...
Tudo o que você disse, concordo plenamente, mas gostaria de objetar com relação ao que nós, e aí me incluo, costumamos chamar de matemática, esta Linguagem que conhecemos.
Será que na verdade a Matemática, e o M maiúsculo aqui é importante, não é inerente à natureza, e a matemática que conhecemos, esta linguagem, provinda do racionalismo grego, e portanto com suas raízes misturadas às do mundo ocidental, só não é uma forma de expressarmos esta essência 'non plus ultra', que existe, e vemos nítidamente manifestada em culturas que não partilham de nós esta linguagem, mas têm claro domínio de números, bases de contagem, simetria, funcionalidade, periodicidade, até conhecimetos avançados em teoria dos grafos - de ordem prática, me refiro a todo este universo que nós, talvez por presunção, classifiquemos à, como etnomatemática?
Eu concordo com a visão defendida pelo Rodrigo. Como uma forma de entender o universo ao nosso redor, ao longo do tempo, procuramos por padrões na natureza. A matemática, nascendo da necessidade de contar e descrever transações do cotiano, é mestra em descrever, manipular e classificar padrões. Daí sua habilidade em descrever a natureza. Mas, em geral, não acredito que a matemática tenha uma existência "externa" esperando para ser descoberta. E se é a linguagem da natureza ou não, acho difícil de responder porque essa questão depende - ao meu ver - de coisas mais profundas. Por exemplo, na natureza existe um padrão que sabemos descrever e manipular, embora não vejamos, que tratamos como uma "entidade" e damos o nome de elétron. Pergunta: os elétrons existem tal como os modelamos ou não passam uma forma como vemos a natureza, como nosso sistema nervoso codifica o meio? Ou seja, o que vemos não pode ser apenas um modelo da realidade feito pelo cerebro?
ResponderExcluirÉ inegável que a mat nos ajude a ver padrões onde os nossos olhos sozinhos eram incapazes, mas, ainda assim, acho que a mat é uma forma de modelarmos a natureza e brincarmos com estruturas e não uma realidade externa sendo descoberta. Note que, sendo um produto do cerebro humano, é natural que tenha surgido em diferentes civilazações com as mais variadas "caras".
A despeito destas questões, a matemática se "desprendeu da natureza" indo pra dimensões infinitas, topologias e geometrias que não necessariamente estão relacionadas como coisas que vemos na natureza.
Por fim, independete da interpretação que se tome, ainda considerando a matemática uma das maiores aquisições da humanidade, de beleza e valor inestimável.
Muito bom. Ansioso para ver o o próximo post, também acho intrigante que existma tantos matemáticos que acreditam em Deus.
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